Crítica | Streaming e VoD

Meu Porto Seguro

Extremamente simples

(Sen Yasamaya Bak, TUR, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Ketche
  • Roteiro: Hakan Bonomo
  • Elenco: Asli Enver, Kaan Urgancioglu, Mert Ege Ak, Ezgi Semler, Defne Ayze Özpirinç
  • Duração: 104 minutos

O cinema turco, através da Netflix, passou a ser conhecido aqui no país para longe do que produz Nuri Bilge Ceylan. É uma verve popular, de alcance universal e sem as elocubrações filósofico-existenciais que fez a carreira do país e que tem encantado Cannes nas últimas décadas. Filmes como o enorme hit de 2020 Milagre na Cela 7 e o recente Táticas do Amor mostram que a Turquia não exporta apenas inquietações psicológicas, mas uma produção capaz de alcançar um público de qualquer parte do mundo. Hoje chegou ao catálogo da Netflix Meu Porto Seguro, longa que aposta na leveza (extrema até) para nos situar em uma narrativa que, na verdade, é bastante melancólica, trágica eu diria. Se não acerta a mão no tom, é procurando não assustar o público que estaria disposto a ter doses homeopáticas de emoção e diversão.

Dirigido por Ketche, que na filmografia local, faz sucesso justamente nessa pegada mais popular, o filme procura não desagradar a nenhuma faixa etária, e tocar o coração de todos, literalmente dos 8 aos 80. O grande problema dessa ambição é conhecido de outras eras: quem quer agradar todo mundo, muitas vezes acaba não agradando ninguém. Mas o diretor provavelmente conhece essa máxima e tenta fazer tudo direitinho, sem correr riscos de nenhuma ordem, porém entretendo e até tentando uma surpresa ou outra. Nada muito elaborado ou sofisticado; trata-se de um filme consciente do tamanho de suas pernas e do alcance das mesmas. Logo, se você procura diversão ligeira com alguma emoção, essa é a pedida para não perder tempo em procuras vãs.

Meu Porto Seguro
Birkan Yüksel

O filme conta a história de Melisa, uma jovem mãe solteira que descobre que tem mais cinco meses de vida e se dá conta de que Can, o genioso filho que a acompanha pra cima e pra baixo, não terá com quem ficar. Aconselhada pela melhor amiga, talvez encontrar um padastro para o pestinha de bom coração seja uma saída viável, e se apaixonar na reta final da vida não era uma intenção, mas ela esbarra em uma figura que é tão difícil quanto ela – e o próprio filho. Com um início acidentado, o trio encontra um lugar para chamar de família aos poucos, sem que Melisa tenha contado para Firat que não tem futuro. Os conflitos partem daí, mas se desdobram para muito além, porque Can é um pé no saco que sempre quis um pai, e as coisas seguem para uma zona limite de definições.

Apoie o Cenas

Não há em Meu Porto Seguro nenhuma textura mais duradoura que aponte um fazer cinematográfico mais caprichado. Na verdade, a própria abertura do filme impacta e assusta, por aparentar que estamos vendo um especial de Natal da Globo de uns 15 anos atrás; a vontade de desistir é verdadeira. Aos poucos, o pequeno Mert Ege Ak enche a tela de carisma, nos envolvemos com a forma meio leve demais com que a personagem compreende a própria finitude e o romance dos protagonistas tem química real. Isso ajuda ao espectador não ter vontade de debitar esse tempo perdido na fatura do mês do canal de streaming. É perceptível que sua intenção é a mais rasa possível, dura apenas o tempo da produção e que o envolvimento pode ser genuíno.

Meu Porto Seguro
Birkan Yüksel

Brincando com o roteiro de Hakan Bonomo, Ketche se diverte com a possibilidade dessa virada dramática lá pelas tantas, que o filme até preconiza, mas que não tem a finalidade que imaginávamos. É a possibilidade do filme sair de um lugar comum e até meio aborrecido daquela tradicional levada “criança esperta e enjoada conquista cara enjoado quanto, que a acaba por dobrar o coração de mãe e filho”, ou seja, passa de um ponto de sessão da tarde para outro, um pouco mais sério. A solução apresentada até é cômoda para que o público em questão compreenda que todos ficarão verdadeiramente bem, no fim das contas. Não é ambicioso, mas muitas vezes é o que precisamos para completar uma lacuna do dia.

Meu Porto Seguro, em sua infinita simplicidade estética e narrativa, acaba por promover uma discussão – muito mais externa do que interna – sobre criação, aquela que pretendíamos e aquela possível, porque na maior parte das vezes as coisas não acontecem como gostaríamos. A mãe que Melisa foi era a mais próxima da possibilidade que ela tinha a oferecer, e encontrar um pai para seu filho aos 45 do segundo tempo não é julgado pelos parcos personagens em cena. A vida nem sempre é muito longa, mas temos que diariamente saber o que dá pra fazer com os elementos que nos são dados. Se você está de boa com a morte, pode até parecer irreal, mas quando você é mãe – mesmo muito jovem – as prioridades estão sempre sujeitas a mudanças.

Um grande momento
O primeiro jantar do trio

Curte as críticas do Cenas? Apoie o site!

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo