Crítica | Festival

Mongrels

Os cães e os homens

(Mongrels, CAN, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Jerome Yoo
  • Roteiro: Jerome Yoo
  • Elenco: Sein Jin, Jae-hyun Kim, Da-nu Nam, Jedd Sharp, Candyce Weir, Morgan Derera
  • Duração: 106 minutos

Em Mongrels, Jerome Yoo filma uma família coreana isolada nas pradarias canadenses dos anos 1990 da mesma maneira que acompanha uma matilha de cães que precisa ser caçada. A metáfora é simples: são todos vira-latas. A diferença é que uns matam e outros sobrevivem como podem, às vezes, trocando de lugar.

Sonny, o pai, aceita o trabalho de eliminar os animais que vagam pela região. Viúvo, estrangeiro e deslocado, ele próprio é um desses bichos errantes, tentando garantir seu território e sua existência em um local que o rejeita. Os filhos, Hajoon e Hana, também estão na mesma situação. Enquanto o jovem busca força no corpo e no silêncio; a menina tenta compreender o mundo com a ingenuidade de quem ainda não aprendeu a esconder o medo. Nenhum deles se sente confortável com aquilo que os cerca. São presença indesejada, ruídos em uma paisagem que finge ser pacífica.

Yoo tem o mesmo olhar para os homens e para os cães. A câmera acompanha os dois grupos com o mesmo distanciamento. Quando o pai mira a espingarda, é difícil saber quem está mais perdido, se o animal que corre ou o homem que atira. O trabalho que o sustenta é o mesmo que o destrói, e cada disparo atinge também a pouca humanidade que lhe resta. A violência é cotidiana, inevitável, e silenciosa.

Apesar da aura, o filme evita o sentimentalismo e tudo é filmado com uma contenção que amplifica o vazio. As pradarias abertas tornam-se claustrofóbicas e os espaços domésticos parecem prisões. O frio é constante, e nele há uma forma de desespero. As cenas familiares têm mesma tensão dos minutos antes de um tiro. E a ausência que se preenche com uma fantasia triste traz o mínimo de afeto à relação doméstica.

Mongrels fala sobre o que sobra quando o pertencimento inexiste. É um filme sobre estrangeiros que se tornam fantasmas, sobre os que precisam negar o próprio instinto para continuar vivos. No fim, a matilha e a família se confundem: todos vagam sem rumo, todos buscam abrigo, todos têm medo do que os outros podem fazer. Jerome Yoo transforma essa história mínima em algo maior, em um retrato de como a sobrevivência pode ser o mais selvagem dos atos humanos.

Um grande momento
Hana vai procurar a mãe

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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