- Gênero: Drama
- Direção: Anthony Mandler
- Roteiro: Janece Shaffer, Colen C. Wiley
- Elenco: John David Washington, Jennifer Ehle, Jeffrey Wright, Jennifer Hudson, Tim Blake Nelson, Jharrel Jerome, Mikey Madison, Kelvin Harrison Jr., Paul Ben-Victor, Jonny Coyne, Dorian Missick, Lovie Simone, Willie C. Carpenter
- Duração: 98 minutos
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Na metade de Monstro, estreia de hoje da Netflix, uma sala de aula exibe em telão cenas de Rashomon, de Akira Kurosawa, e como em todo filme que utiliza a obra japonesa como exemplo metafórico, após uma discussão de turma sobre a essência do clássico, fica claro que o roteiro está piscando para o espectador pra que fique claro que ali será utilizado estratagema parecido para que sua moral narrativa seja apresentada. Logo, será necessária uma análise pessoal para que possamos interagir com o filme e seu protagonista, mas esse lançamento tem um diferencial nessa contextualização acerca do plot tão reutilizado com pontos de vistas diferenciados que, unidos, criam a obra em questão.
Estreia do Festival de Sundance de três anos atrás, Monstro foi adquirido pelo canal de streaming e, uma semana depois do lançamento de A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, a Netflix coloca no ar outra produção protagonizada por um adolescente estudante de cinema, e se isso já não é coincidência o suficiente, assim como na animação, aqui essa característica é primordial no entendimento da narrativa, agregando camadas ao que a obra de Kurosawa já enfatizava em relação ao caráter opinativo original, que aqui eleva essa busca pela versão dos fatos não apenas nos eventos narrados mas primordialmente na relação que criaremos com Steve Harmon, o protagonista.
O diretor Anthony Mandler tem 20 anos de experiência em videoclipes dos mais variados e aplaudidos (“Irreplaceable” de Beyoncé, “Take a Bow” de Rihanna, “Big Girls Don’t Cry” de Fergie, entre mais de 70 outros) e aqui estreia na direção de cinema com um olhar apurado esteticamente, mas que se entende cinematográfico também. Isso porque o filme não se entende como peça publicitária e desenrola sua narrativa com respeito ao roteiro e realizando uma obra que não é refém de pirotecnia de propaganda, já que o trabalho de adaptação do livro de Walter Dean Myers é bem cuidadosa com a linguagem que é costurada durante toda a duração.
Escrito por Janece Sheffer e Colen C. Wiley, a produção se desenha como se observássemos um filme dentro do filme. Essa produção espelhada se faz pertinente porque seu protagonista observa a própria história como um filme de si mesmo, narrando sua própria história a partir de um roteiro mental que ele narra, criando uma espécie de retrato falado de um roteiro em imagens. Por ser estudante de cinema, Steve cinematografiza toda sua trajetória até a prisão, voltando no tempo pra desvendar mentalmente o que o levou até ali, além de apresentar ao público as possibilidades de enxergá-lo, como vítima inocente ou como agente ativo em um crime de morte.
Essa solução acaba beneficiando Monstro como um todo, incluindo o tratamento estético direcionado à produção, já que tudo acaba sendo balizado pelo fato de que estamos diante de uma versão assumidamente cinematográfica sobre fatos. Acaba também por ser uma alegoria múltipla, já que uma coisa transmite a outra e todos os olhares conversam e amplificam sua mensagem. A montagem de Joe Klotz (indicado ao Oscar por Preciosa) é precisa ao administrar diferentes tempos narrativos, percepções pessoais junto a fatos, sem emperrar o andamento ou bagunçar a proposta, sendo contínua todo o tempo.
O elenco atinge a veracidade exigida pela obra sem apelar para histrionismos exagerados, como são os casos de Jeffrey Wright (de Angels in America), Jennifer Ehle (de A Hora Mais Escura) e Jennifer Hudson (Oscar por Dreamgirls, talvez nunca tenha estado tão contida). Mas Monstro é especial para dois jovens atores, Kelvin Harrison Jr. (de As Ondas) e Jharrel Jerome (de Olhos que Condenam). Enquanto o segundo se mostra uma confirmação de uma revelação impressionante, o primeiro constrói mais um degrau de uma carreira onde só apareceram acertos – sua entrega aqui, tão melancólica quanto acertada, é o pilar de uma obra não necessariamente inovadora, mas sempre humana e sagaz sobre como toda as visões podem ser múltiplas, até quando partem da mesma pessoa por sobre o mesmo material.
Um grande momento
Copo pra cima, copo pra baixo