Crítica | CinemaDestaque

EAMI

Espíritos da terra

(EAMI, PAR, EUA, ALE, NED, ARG, FRA, MEX, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Paz Encina
  • Roteiro: Paz Encina
  • Elenco: Anel Picanerai, Curia Chiquejno Etacoro, Ducubaide Chiquenoi, Picanerai Etacore, Lucas Etacori, Guesa Picanerai
  • Duração: 83 minutos

Sobrevoo o mundo que corre,
Como em um dia meu povo correu
Hoje minha asas estão feridas
Hoje meus olhos estão fechados

Primeiro, fez-se o som. Como se os olhos fossem se acostumando com a escuridão, começamos a ver. E fez-se a luz e, com ela, a cor. Assim a cineasta paraguaia Paz Encina (Hamaca Paraguaya) apresenta a cosmogonia dos Totobiegosode, povo indígena Ayoreo que vive isolado em pequenos grupos no Chaco. Segundo a mitologia, do sopro surge o vento e deste, a canção. Da canção, surge o próprio povo, descendente de um pássaro, que também tem forma de mulher e é, na verdade, a mãe de tudo e de todos, Asojá. Filme-poema, EAMI não fala só de origem, mas da luta por sobrevivência; da perseguição e de manutenção da memória; da ignorância e da sabedoria ancestral.

Quem nos guia é a pequena Eami, depois de escapar da última invasão e captura pelos coñones, os homens que não entendem o poder da terra, das florestas e da natureza. Vagando atrás de seus iguais, ela percorre as paisagens e vamos acompanhando essa jornada. As imagens do diretor de fotografia Guillermo Saposnik são estonteantes e juntamente com a montagem precisa de Jordana Berg tornam mais dura a realidade de descaso e destruição que atualmente assola o povo originário e o meio ambiente. Encina nos aproxima do belo e do horrível, e também do outro mundo, de sua intromissão e incapacidade de percepção dos sinais.

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A narração em off, falada em guarani, traz a mitologia do povo Totobiegosode, com os poderes de Asojá e Ayoreo; a chegada dos coñones e suas consequências, e a trilha de Eami. Falas aleatórias são incorporadas ao longa, trazendo contestações necessárias e memórias que não podem ser perdidas. São falas que amplificam a imersão do espectador, fazendo com que a viagem seja mais profunda e aproximam quem está longe de um drama que é de, na verdade, de todos. Obviamente, nada que se compare à dizimação e ao desrespeito de uma cultura que sempre escolheu viver isolada e que contava com menos de 300 indivíduos.

Em sua poesia triste, EAMI expõe a aculturação em cenas como a da distribuição de roupas; e a maldade das queimadas, com a previsão dos ancestrais e explicando o grito das árvores. “Eu vi o meu povo sair da floresta”, fala algum deles. O apego do grupo aos seus, falando sobre a importância de seu lugar e de sua comunidade, “se nos matarem, é melhor que matem todos juntos”, diz outro. É de cortar o coração, assim como a intenção de encontrá-los sentindo a natureza, pelos sons da terra e através do vento, nas tentativas da protagonista.

Há uma mensagem muito bonita no filme que fala de tradição, cultura, da permanência de existências. Porque ninguém será capaz de mover aqueles espíritos de lugar, do mesmo modo que ninguém poderá quebrar o coração dos amigos dos pássaros. Mesmo sozinha e perdida, Eami, mais do que aquela que procura, é a própria natureza, a terra que nunca deixará de buscar aqueles que foram arrancados dela. A que vaga atrás o seu povo. 

Um grande momento
O começo

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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