Crítica | FestivalMostra SP

Cavaleiro de Verão

Mosaico da simplicidade

(Yoyo, CHN, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Xing You
  • Roteiro: Xing You
  • Elenco: Zengxi Yang, Yuxiao Kang, Lian Ma, Lu Huang, Ludi Lin, Lingchen Ji, Chuan Zou
  • Duração: 99 minutos

Xing You ganhou ano passado um prêmio de cineasta do futuro no Festival de Tóquio por essa sua estreia no longa metragem, Cavaleiro de Verão, e a Mostra SP 2020 mostra com ele uma face do cinema oriental diferente da que apresentou à imprensa na coletiva desse ano com o japonês Mães de Verdade. Se a emoção e o melodrama corriam soltos na visão familiar contemporânea da cineasta Naomi Kawase, aqui temos uma economia de recursos e de material para criar sua atmosfera narrativa apoiada em naturalismo. O filme se alicerça em simplicidade para dar conta de representações muito humanas de relações familiares complexas.

Não há excessos de nenhuma ordem na produção, que busca quase um aspecto documental na abordagem de seus personagens e das ações que os circundam. Se o universo familiar que o filme acessa não é necessariamente funcional, mesmo essa estrutura é tratada de maneira absolutamente frugal, como se cada elemento ali disposto pertencesse a essa ambientação geral. Cada um desses personagens, suas inter relações não-usuais, o conjunto de reações que cada um ali adquire, contribui para dar credibilidade ao quadro geral, que abriga uma seŕie de camadas que enriquecem a experiência.

O núcleo familiar de Cavaleiro de Verão é formado por dois meninos, primos, que têm idade próxima aos 10 anos, seu casal de avós que ainda não poderiam ser chamados de idosos, o pai de um dos meninos envolto em constante mistério sobre seu temperamento e suas atitudes, e a mãe ausente do outro, que está no Japão trabalhando e mandando dinheiro para a família. A trama (ou seu fiapo que une a narrativa) circula em torno do roubo a bicicleta da avó, que só Tian-Tian parece preocupado em desvendar, não obtendo nenhum apoio em casa. O pequeno investigador passa então a providenciar armadilhas para descobrir o ladrão, mesmo que elas sejam uma fonte de perigo pra si.

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Cavaleiro de Verão, filme selecionado para a MostraSP

Na verdade, Xing You está interessado em mostrar é o dia a dia desse grupo de pessoas que nem sempre adequa-se uns aos outros, cujos conflitos são constantes e são fornecidos pela falta de diálogo e de entendimento, mas que não se furta em situar em confecção diferenciada de afeto, como uma família comum. Os flagrantes revelados na frente das câmeras são de um processo de cumplicidade que só vemos em mergulhos profundos de observação de contextos familiares, onde cada rusga levantada soa absolutamente natural e produzida dentro de um conceito amplo de seus papéis em cada questão apresentada.

Através desse grupo de pessoas que Cavaleiro de Verão apresenta como integrantes da mesma família, Xing You desenvolve linhas narrativas particulares de faixas etárias distintas, como se observasse de soslaio cada uma dessas fatias ativas da China de hoje. Crianças constantemente desacreditadas, jovens adultos tentando sobreviver a estigmas que a sociedade outorga, chefes de família em crise; ainda que sejam muitas camadas a dar conta, ao escolher elipses narrativas para suprimir informações que serão fornecidas (ou não) aos poucos, o filme cria um leque de possibilidades diante da classe menos abastada da sociedade chinesa atual.

O bullying que sofrem os personagens infantis explicitamente são carregados por todos os personagens em outras searas, seja ao comprar de volta o produto de um roubo, seja no ato de não conseguir um emprego ou uma maneira saudável de criar o próprio filho, Cavaleiro de Verão não se limita, no entanto, a encarcerar seus personagens em um lugar de sofrimento e auto comiseração. Através justamente do olhar infantil, vemos nascer a possibilidade de nascer versões não verbalizadas de justiça, solidariedade, afeto e resistência.

Um grande momento
Correndo após o corte

[44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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