- Gênero: Aventura
- Direção: Ridley Scott
- Roteiro: David Scarpa
- Elenco: Joaquin Phoenix, Vanessa Kirby, Tahar Rahim, Rupert Everett, Mark Bonnar, Paul Rhys, Ben Miles, Edouard Philipponnat, Miles Jupp, Riana Duce
- Duração: 151 minutos
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Já fazem 23 anos do lançamento de Gladiador, e 28 da estreia de Coração Valente. Eu já era cinéfilo no lançamento de ambos, e de um período a outro não dava outra conversa que não a volta dos grandes épicos de outrora, filmes que encheram salas nos anos 50 e 60, e estavam adormecidos até esses lançamentos. Desde a vitória de seu filme no Oscar, Ridley Scott praticamente não parou de fazer épicos, e a novidade de duas décadas atrás perdeu o vigor. Agora ele lança Napoleão, e uma discussão a respeito de necessidade e propósito (que não engrandecem nenhuma conversa analítica, mas existem) volta a ser termômetro. Ao fim das 2 horas e meia de produção, sentimos falta do que ficou conosco no término de O Último Duelo, seu épico anterior: o sentido de urgência.
Napoleão, a despeito de tentar tecer laços entre a ascensão da extrema direita de hoje e o período de dominação do general francês, soa distanciado demais para um olhar que já nos entregou mais. O Scott que está labutando aqui é o mais próximo possível do personagem principal de seu filme – exímio no que faz, estrategista ao extremo e hábil na formação dos seus intentos, no qual se mostra com brilhantismo. Apesar disso, é igualmente frio, incapaz de perceber o clamor à sua volta, e cuja paixão é tão volátil que não se dá conta de que ela muda de uma obsessão a outra. No sentido de se enxergar em seu retratado, o diretor chega aos 86 anos lúcido e vibrante, com uma gana pelo espetáculo quase invejável.
Em matéria de escopo, Napoleão é um filme que não deixa nada a dever aos grandes eventos de 2023, como Oppenheimer, Assassinos da Lua das Flores e Pobres Criaturas. Estamos diante do que de mais espetacular o dinheiro e o talento podem oferecer, e fica claro como o diretor é um expert no lugar que sua rigidez estética o colocou. Existe minúcia no que vemos, os planos foram moldados para que nada surja displicente e cada detalhe parece ter sido colocado no quadro com uma pinça para criar o efeito desejado no espectador. É uma superprodução à moda antiga, com todas as letras, e a coreografia que ele pinta na frente das câmeras é suficiente para dizer que, já vivendo seu crepúsculo, Scott parece um garoto pronto para mais e mais. O que falta então a uma produção tão cheia de excelência?
Eu diria que faltam algumas coisas, e uma delas já foi dita. Aquela fagulha que nos mostre por onde a explosão começa, um certo nervosismo a respeito do que estamos vendo, uma sensação de desamparo em relação ao futuro. Napoleão, por mais esteticamente especial que seja, assim como todo filme precisa acender no espectador uma chama, ainda que pequenina, consuma o todo. Essa tentativa existe e está espalhada ao longo da projeção, principalmente nas muito elaboradas cenas de batalhas, que sempre parecem oferecer um elemento novo em cena (fogo, água, terra) e complementa um jogo que o filme sabe a que ponto chegar. Mas, como o titular de seu projeto, Scott tem em mãos tudo o que é funcional para a vitória; lhe escapa pelos dedos a paixão, que precisa ser maior que uma fagulha.
De forma prática, Scott inunda a tela com o pragmatismo do personagem, alguém que não faz amor – o que vemos em cena é sexo mesmo, o mais grosseiro e reles possível. O acerto de entender que era necessário construir esse tipo de amante, não é o suficiente para que ele entenda que o contraponto era necessário, e ele existe… o diretor só não se preocupa com ele. Com essa desatenção, o que deveria realçar características de seu protagonista, acaba só por sujar o plano, e é mais uma peça a não contribuir para um debate que Napoleão escolhe não realizar. Como então acreditar em uma história de amor que parece mais interessada em terminar, e que posteriormente será tão lamentada? De verdade, estamos diante de um filme que parece reduzido do que o faria potente.
O que restou em tela são as potencialidades de Ridley Scott. Vislumbramos o trabalho de um gigante como Joaquin Phoenix, quase alcançamos a multiplicidade que Vanessa Kirby propõe, mas o resumo do que é visto é um show quase exclusivo de um ás da condução. Através da sua lente, um épico ainda é um épico, mas falta detalhamento para que levemos Napoleão junto conosco, que o filme não fornece. A paixão de um profissional octogenário pela mise-en-scene está impressa, mas ela é insuficiente para fornecer ao filme o que construiu a historicidade de tantos títulos épicos, alguns conquistados pelo próprio diretor. Sua mão está visivelmente intacta, talvez sua percepção a respeito de como povoar essa narrativa esteja menos perceptível aqui.
Um grande momento
Rio congelado