Crítica | Catálogo

Nintendo e Eu

Inocência filipina

(Death of Nintendo , FIL, SIN, EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Comédia
  • Direção: Raya Martin
  • Roteiro: Valerie Castillo Martinez
  • Elenco: Noel Comia Jr, Agot Isidro, John Vincent Servilla, Kim Chloie Oquendo, Jigger Sementilla, Cayden Williams, Elijah Alejo, Mailes Kanapi, Nikki Valdez, Jude Matthew Servilla, Moi Marcampo
  • Duração: 95 minutos

Raya Martin tem, finalmente, seu primeiro título lançado comercialmente no Brasil. Lembro de um texto de Ruy Gardnier de 12 anos atrás, quando da estreia de Tio Boonmee que Pode Recordar suas Vidas Passadas, e ele realçava como essa igualmente primeira chegada de Apichatpong Weerasethakul (que lançou Memoria ano passado) nos nossos cinemas era uma mudança de paradigma do próprio circuito. Mais de uma década depois, tudo mudou e o cinéfilo tem hoje muito mais opções que o cinema para alcançar novas cinematografias, mas a profusão de streamings não é suficiente para encampar a quantidade de autores e filmes que cabem hoje em relevância. Temos então Nintendo e Eu a nos levar para as Filipinas do anos 1990, e também a um país que raramente dá as caras na lista cinéfila de qualquer um. 

Martin, apesar de muito jovem, está fazendo 20 anos de carreira e já conta com 13 longas na filmografia, além dos curtas; os mais famosos, Independência e Um Pequeno Filme sobre o Índio Nacional rodam muitos festivais, o que fez com que ele se tornasse conhecido entre os amantes do cinema de fluxo. O que vemos em Nintendo e Eu nada tem a ver com esses dois filmes, mas é uma tentativa do diretor de aproximar sua cultura do que cresceu assistindo. A cinematografia de fantasia infanto juvenil dos anos 80 recheia a bagagem cinéfila de qualquer um que já estava vivo durante o período, e Martin se aproxima de Conta Comigo aqui, em específico. Tem bastante de fascínio em acompanhar esse processo, a união de dois ambientes tão disparatados quanto as Filipinas e os Estados Unidos, observando o que um acrescenta ao outro. 

Nintendo e Eu
Divulgação

A trama segue esse quarteto de amigos, três meninos e a irmã de um deles, de lugares sociais diferentes, mas unidos por uma amizade que só pode fazer sentido nessa idade, o princípio da adolescência, e talvez mesmo naquele período. Com o advento das redes sociais, o que poderia minimamente apartar alguém, apartou, e hoje as relações mesmo infantis se estabelecem com regras de convivências sob outros termos. Nas Filipinas, há 30 anos atrás, nenhum código estava estabelecido que não o da afeição gratuita e mútua. Tal como no filme de Rob Reiner, o que vemos é a interação entre esses jovens, seus núcleos familiares e a vida paralela cheia de fantasia que eles adentravam, antes de sucumbir aos sentimentos destrutivos dos adultos. 

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Apesar da linguagem universal, Nintendo e Eu é uma produção local que vende os valores daquela sociedade naquele período do tempo, e longe da capital Manila. Existem então as aventuras com seus clichês particulares, mas existe também a religiosidade, que passeia pela devoção das mães e alcança o medo das lendas populares dos filhos. Também existe uma maneira bem menos tímida para falar da descoberta da sexualidade entre meninos, que o cinema americano sequer ousa experimentar. São nesses lugares que sentimos cargas muito específicas a respeito da cultura de um tempo e um país, que é assolado por grandes acontecimentos que pautam a moldura do filme, mas que acima disso está com disposição de adentrar espaços para exportar suas raízes. 

Nintendo e Eu
Divulgação

Nesse sentido, se Martin está resgatando o primórdio de sua cinefilia ao beber de ofertas estrangeiras e estabelecidas, ele também está de alguma maneira falando sobre sua própria infância, e a de seu país. Paralelo a isso, Nintendo e Eu é uma porta de entrada injusta para uma filmografia que parece aqui sim experimentar um verniz popular que não faz parte de sua formação de sua história como cineasta. Mas seria exatamente o lugar mais adequado para conhecer um diretor, visitar o seu passado emocional e encontrar a gênese do seu trabalho, que vem de uma cena mais próxima a seu conterrâneo Lav Diaz (de Norte, O Fim da História). São cores bem diferentes às utilizadas aqui, mas é justamente por entender essa corrente contrária, que seu filme novo carrega uma aura cândida que combina inclusive com o período que está narrando. 

Um grande momento

O pesadelo de Paolo

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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