Crítica | Streaming e VoD

O Bombardeio

Horror que não cessa

(Skyggen i mit øje, DEN, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Ole Bornedal
  • Roteiro: Ole Bornedal
  • Elenco: Alex Høgh Andersen, Danica Curcic, Rikke Louise Andersson, Fanny Bornedal, Ester Birch, Ella Josephine Lund Nilsson, Caspar Phillipson, Michael Pitthan, Maria Rossing
  • Duração: 107 minutos

Assustador da primeira à última cena, O Bombardeio chega hoje à Netflix como mais uma produção acerca dos horrores da guerra, a partir dos olhos de inúmeros afetados pelo conflito. O filme não aproxima suas percepções, mas coloca em perspectiva as ações de soldados, alemães e americanos, religiosos, e civis, adultos e crianças, pegos de surpresa pelo fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, mas ainda vítimas de um último ataque, organizado pelo exército britânico, e que gera uma tragédia incalculável. É da preparação para o evento do título pela narrativa e posterior estupefação com o mesmo que o filme se trata, abordando na sua completude as diversas vidas ali expostas.

O streaming comete essa ousadia de lançar um filme tão pesado justamente no momento onde a Ucrânia é invadida pela Rússia, e é impossível não assistir sem realizar que situação parecida pode estar acontecendo nesse exato momento. Isso pode gerar dois pensamentos díspares, entre ver e não ver a produção, o que pra mim prejudicaria as qualidades que a produção evidentemente possui. Esse incômodo natural coloca o filme em situação desagradável e a própria Netflix também se tornando pouco empática ao não perceber um possível erro de timing. A quem se aventurar, saiba que a despeito do soco no estômago, se esconde aqui uma produção muito corajosa.

O Bombardeio
Lasse Frank/Miso Film

O diretor e roteirista Ole Bornedal (de O Principal Suspeito) realiza um filme coral com sua produção que se preocupa em restaurar um episódio real do fim da guerra, a decisão da Força Aérea Britânica em atacar um QG nazista na cidade de Copenhagen, e cometer um erro terrível durante a ação. Para isso, mapeia anteriormente um grupo heterogêneo de personagens em situações diversas: um jovem que assistiu um carro ser metralhado na estrada e emudeceu no trauma; um departamento de coerção na cidade, durante a guerra; uma criança que testemunhou um assassinato a sangue frio; a relação insólita entre uma jovem freira e um soldado nazista; uma dupla de solados britânicos responsáveis por um desastre; entre outros.

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Isso molda uma narrativa que tem a intenção de nos aproximar daquele grupo como um todo, sem juízo de valores, e assentar suas participações em um conflito onde todos serão igualmente vítimas, em determinado momento. É uma forma arriscada de situar suas intenções, mas o roteiro é cirúrgico ao nortear seus eventos sem pesar cargas emocionais nas cenas – tudo é avaliado com a frieza habitual de uma produção europeia. A emoção e o choque eventualmente vêm, mas isso acaba por nascer através da humanidade do próprio espectador, que efetivamente se situa naquele quadro e explora sua empatia ali, ainda mais quando crianças ocupam o plano e são protagonistas de sequências.

A parte técnica de O Bombardeio impressiona pelo preciosismo da reconstrução de época, ao mesmo tempo cuja montagem a cargo de Anders Villadsen é meticulosa tanto em criar unidade entre tantas fatias de narrativa quanto em nos conectar a um ritmo de tensão crescente. A bela fotografia de Lasse Frank Johannessen (de Tolkien) também ajuda a contar uma história ambientada sob a luz quase o tempo inteiro, e criar situações de perigo e desespero sem a presença da sombra é um feito e tanto. É o capricho por trás dos valores de produção que também nos permitem aproximarmos do humano, que é o real interesse por trás de uma obra dessa tessitura.

É um grupo complexo de pessoas, cujas significações para o quadro geral apresenta camadas de progressão psicológica muito ímpares – como a jornada entre a noviça e o soldado – criando um campo de discussão amplo de observação. O Bombardeio não teme a responsabilidade de colocar em patamares similares pessoas de envergadura tão opostas, e sabe do risco de parecer fascista ao não taxar rapidamente alguns tipos, mas essa preocupação em unificar o humano em zona de guerra é o que o diferencia. Em tempos onde voltamos ao sombrio da guerra, talvez a máxima coragem de dizer que todos poderemos morrer, e qual será o peso da sobrevivência para quem recusar a morte?

Um grande momento
O ataque na ida para o casamento

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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