- Gênero: Drama
- Direção: Cédric Kahn
- Roteiro: Cédric Kahn, Nathalie Hertzberg
- Elenco: Arieh Worthalter, Arthur Harari, Nicolas Briançon, Stéphan Guerin-Tillié
- Duração: 111 minutos
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Experiência a um só tempo claustrofóbica e absolutamente fascinante, O Caso Goldman estreou em Cannes esse ano, fora da competição oficial, e provocando repetidas questões que já pairavam sobre o festival: por que alguns grandes filmes não se qualificam para a disputa principal? Pergunta que anualmente não quer calar, aqui nesse caso podemos considerar o fato de que o futuro vencedor da Palma (Anatomia de uma Queda) estaria no principal quadro, e preferiram não espelhar os filmes. Decisão inteligente, o filme que está em cartaz na Mostra SP 2023 é de um rigor narrativo tão evidente quanto definidor de suas intenções. Ao aceitar a proposta que Cédric Kahn faz, o espectador precisa compreender que a tensão em cena é construída com uma precisão cirúrgica, que é revelada nova camada cena a cena.
A ideia é passar duas horas assistindo a um julgamento que se desenrolou por sessões e sessões no tribunal, sem conectar-se com o cinema que é tradicionalmente feito dentro desse subgênero. Não há, por exemplo, a vida exterior ao que está sendo narrado ali; a atenção precisa ser elevada para que se saia frustrado da experiência. Não porque sua atmosfera seja adensada, mas devido ao detalhamento que o caso apresenta, e ao olhar atento que cada nova informação se conecta à anterior. O Caso Goldman não é a primeira produção a apresentar seu roteiro centrado exclusivamente em uma corte, o clássico 12 Homens e uma Sentença já o fizera no passado, só para citar um exemplo capital. O fascínio que tal artifício angaria não pode ser tratado de maneira exclusiva a isso.
Isso porque existe uma performance sendo orquestrada em cena, tal qual toda arena que uma corte de júri acaba por se apresentar. O jogo se apresenta como um palco onde atores podem representar seus papéis característicos de uma farsa – mocinhos e vilões lado a lado, sem precisar encontrar os rótulos certos. Todos são atores interessados em performar uma verdade que muda de acordo com a perspectiva, e como tal, desempenham suas funções com o máximo em dramaticidade. O Caso Goldman fornece essa mistura com o máximo em verdade possível, ainda que estejamos falando de uma verdade subjetiva. Em cena, tipos se enfrentam em meio a uma sede de comunicação; todos querem e precisam ouvir e serem ouvidos.
Para provar seu ponto, Kahn conta da maneira mais concisa a trajetória de seu protagonista Pierre Goldman, narrada pelo próprio personagem em uma série de depoimentos e intromissões ao trabalho que está sendo realizado. Esse ruído que rompe com o que entendemos como um código da produção, faz com que seu personagem se torne um mártir sem procurar ter sido. Porque, ao contrário das autoridades, Goldman não só fala o que tem de ser feito, como direciona as falas de acordo com seu grau de concordância com o depoimento. Isso faz com que Pierre Goldman não apenas domine a sua narrativa por cima das falas dos inúmeros discursos que passam por ele, mostrando como suas armas de sedução não se resumem a algo com poucas camadas. O personagem-título de O Caso Goldman sabe muito bem como transformar a atmosfera ao seu favor, e o filme posiciona seu roteiro e câmeras a sempre acompanhar esse desempenho.
À disposição de O Caso Goldman temos um grupo formidável de atores, no que inclui o cineasta e roteirista Arthur Harari (de Onoda) e Nicolas Briançon; ambos brilham como os principais juristas do palco. Mas nada há para dizer na direção de Arieh Worthalter que não seja tão evidente quanto já foi dito no texto acerca do personagem, que só seja possível de analisar graças a sua execução. Vencedor de prêmios por sua atuação em Girl, Worthalter é incansável em cena, dando vida a um tipo estimulante e cheio de carisma, colocando todos (em cena e fora de) para prestar atenção ao que ele tem pra dizer. É algo tão cheio de vida que acabamos por comprar cada um de seus argumentos em um julgamento repleto de idiossincrasias públicas, e uma visão racista muito clara por parte das autoridades policiais.
Um projeto que vai ficar pela secura com que une suas partes, da construção de uma mise-en-scene menos gasta, até a peça de teatro que é estabelecida em público, O Caso Goldman e também um renascimento para seu diretor. Kahn completou recentemente 30 anos de carreira e não tinha tido, até aqui, uma oportunidade tão espetacular de expandir sua autoralidade para um lugar que ainda não tinha encontrado voz. Desde A Prece sua carreira começa a tensionar quem o acompanha somente agora, mas com essa ampla demonstração de oportunidade, o diretor arrisca com um filme que poderia ser sisudo, e transformou-se em potência.
Um grande momento
Goldman enfrenta o advogado