Crítica | Streaming e VoD

O Estrangulador de Boston

Descartáveis

(Boston Strangler, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial, Suspense
  • Direção: Matt Ruskin
  • Roteiro: Matt Ruskin
  • Elenco: Keira Knightley, Carrie Coon, Chris Cooper, Alessandro Nivola, Rory Cochrane, David Dastmalchian, Peter Gerety, Ryan Winkles, Morgan Spector
  • Duração: 105 minutos

Aos poucos, homens vão se dando conta do que sempre esteve presente na formação de uma vivência feminina: a sociedade valora muito baixo tanto a vida, quanto os esforços de uma mulher. Sua posição, por mais privilegiada que seja, mesmo alcançado lugares de poder superiores aos do sexo oposto, ainda será diminuído, questionado e combatido, sempre que possível for – e muitas vezes, mesmo quando não for. O Estrangulador de Boston, estreia de hoje do Star+, é uma produção caprichada que encontra eventos reais para se comunicar sobre questões atemporais ligadas ao feminino, não apenas no que concerne a violência física perpetrada contra elas. É um campo que parte do horror explícito para encontrar o que de mais machista e profundo tem na sociedade, em qualquer tempo. 

O filme dirigido por Matt Ruskin poderia ter ganho as salas de cinema, mas terá sua audiência restrita ao streaming. É a saída encontrada para produções adultas que hoje não tem garantia de retorno do público no formato tradicional, mas que se encontra ali na zona de onde um dia foi produzido Zodíaco. Saem os homens investigadores e entram as mulheres, duas jornalistas que primeiro atentaram para a conexão entre assassinatos nos anos 1960 cometidos por um aparente serial killer. É estranho que uma história que fala tão caro às mulheres tenha sido escrita e dirigida por um homem, mas até onde consigo perceber, o trabalho de Ruskin é voltado para a construção do gênero thriller investigativo, sem jamais diminuir a força de suas entrelinhas. 

Com uma fotografia sépia conseguida por Ben Kutchins (de The White Lotus e Ozark), que condiciona aquela situação não apenas no tempo onde reside como também na atmosfera de autêntica decadência na qual estão condicionadas, O Estrangulador de Boston não abre mão da excelência estética para provar seus pontos. Assim como David Fincher, Ruskin estabelece um parâmetro imagético que confere personalidade ao que filma, sem perder de foco seu roteiro, que é de onde se extrai a conjugação humana dos fatos. O invólucro não aprisiona o filme a uma condição estéril à sua narrativa; Ruskin sabe o que precisa ser dito, e que esse é o motivador de sua produção. 

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O Estrangulador de Boston
20th Century Studios

O Estrangulador de Boston mostra que o veredito habitual certificado a uma mulher é o de culpada. Uma mulher é culpada quando é morta, é culpada quando exerce seu ofício, é culpada quando ascende social e profissionalmente, é culpada quando é perseguida mesmo tendo razão; a culpa não a abandona. É a sociedade quem outorga esse horror, e que infelizmente é abraçado sem qualquer restrição pelas mesmas. Em uma semana onde uma mulher é importunada sexualmente no reality show de maior audiência do país e ainda se sente culpada pelas consequências que sofrem seus agressores, não há como dizer que qualquer coisa exibida aqui envelheceu. A forma como o filme conduz a discussão é moderna sem perder a conexão com o tempo onde a ação transcorre, sinal de que a atemporalidade infelizmente é real. 

Não há grande mistério envolvendo a identidade do personagem porque a própria natureza da narrativa aponta que a verdadeira discussão não está nessa descoberta, mas nos meandros que o poder utilizará para não mover-se rumo a uma contenção de danos efetiva. A boa e velha cortina de fumaça é a alternativa escolhida para que uma versão da justiça seja feita, sem que na verdade ocorra qualquer coisa sequer parecida com tal. Depois de serem desacreditadas, investigadoras e vítimas precisam ser caladas – e se forem eventualmente assassinadas, paciência… – e a opinião pública ganhar uma resposta. O longo desfecho de O Estrangulador de Boston é a conclusão perfeita para casos como esse, no filme e no dia a dia: não há empenho ou dedicação quando não há empatia. 

O trabalho de Keira Knightley é superior à grande parte de sua carreira. Indicada ao Oscar por Orgulho e Preconceito, a atriz tem aqui uma maturidade ainda não vista em sua filmografia. É a sua postura que move O Estrangulador de Boston rumo aos méritos, a certeza de que mesmo um respeito conhecido pode ser efêmero se você ascende, e de que a necessidade da independência é real, fazem sua interpretação superior. E o filme cresce junto com ela nessa maturidade, indo em conjunto com os muitos méritos, cinematográficos e narrativos, presentes aqui. 

Um grande momento

A explosão do marido, a perplexidade da esposa

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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