Crítica | Streaming e VoD

Já Era Hora

...do tempo passar de verdade

(Era Ora , ITA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Drama
  • Direção: Alessandro Aronadio
  • Roteiro: Alessandro Aronadio, Renato Sannio
  • Elenco: Edoardo Leo, Barbara Ronchi, Mario Sgueglia, Francesca Cavallin, Massimo Wertmüller, Raz Degan
  • Duração: 105 minutos

Sabemos que não foi Leandro Hassum a criar os colapsos temporais no cinema, e sim Harold Ramis e seu delicioso Feitiço do Tempo a colocar na cabeça de tanta gente como a repetição de um mesmo dia poderia ser tão criativa quanto enlouquecedora. A geração Netflix, no entanto, tem Tudo Bem no Natal que Vem como uma referência incrementada, levando em consideração que além de tudo o filme se passava no dia do aniversário do protagonista. Ano passado, a própria Netflix lançou Natal Outra Vez?, um não-assumido (e mal disfarçado) remake mexicano, e agora eles de novo botam na rua Já Era Hora, e a novidade aqui é que temos um campeão: a produção italiana que estreou hoje consegue um ‘strike’ contra os anteriores. 

A primeira novidade é que o Natal saiu do jogo, deixando só o aniversário pro protagonista reviver continuamente, ver a família crescer, o casamento ruir, as doenças assolarem seu séquito, sem lembrar de absolutamente nada, afinal ele só revive seu aniversário, com as idades avançando. Mas isso não seria motivo suficiente para que a situação se elevasse, ainda que o diretor e roteirista Alessandro Aronadio consiga soluções visuais espertas o suficiente para angariar interesse. Dante inicia sua jornada como o Jorge de Hassum, acordando sempre no dia específico onde nasceu mas com um ano avançado, mas logo ficamos a mercê de um recurso que se assemelha com A Hora do Pesadelo. Os anos passam a correr no meio das cenas, com o personagem mudando de visual, sua casa adquirindo nova decoração e outras sacadas bacanas no meio do fluxo.

Já Era Hora
Fabio Lovino/Netflix

O detalhe importante aqui em Já Era Hora é algo que vai ficando claro com a passagem do tempo, e que engrandece a produção, além de deixar sua mensagem com um caráter mais explícito. Dante passa a interagir, aos poucos, com normalidade diante das mudanças, perdendo a estranheza com hábitos adquiridos durante o período que não se lembra, como os cigarros, e os diálogos entre os personagens também ganham características de aceitação e assertividade. O resultado mais óbvio é que a moral da história de todos esses filmes, aqui é assumida pelo protagonista: não há nenhuma magia envolvendo as ações do protagonista. O que existe de verdade é o que todos esses personagens sempre ouviram dos outros que o rodeiam – o tempo passou mesmo, e a zumbificação do humano atingiu esse estágio de desconexão com a realidade. 

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Essa saída confere um ar muito mais psicológico ao filme, e de forma mais direta. Não há mais qualquer maldição que seja regente desses eventos, estamos diante de um homem que não percebe o mundo a sua volta, sua família, seus amigos, o mundo, e só acorda no dia mais propício ao egocentrismo, o próprio aniversário. É quando precisa olhar para si que Dante percebe o outro, e nem mesmo o trabalho (que é utilizado como válvula de escape) sobrevive ao narcisismo, porque nem mesmo sua fantástica promoção é percebida. Ou seja, no escopo do Homem Moderno, só ele mesmo importa, é em torno dele que o mundo gira e na sua direção tudo precisa ser estabelecido; não há espaço para outro elemento que não o individualismo. 

Já Era Hora
Fabio Lovino/Netflix

Já Era Hora não examina essa reflexão com profundidade, mas delineia as consequências das ausências com um fatalismo raro. Tudo que é feito no filme não pode ser desfeito com um pedido à fada madrinha, porque o universo existe independente de cada indivíduo habitante dele. Se o autocentrismo te impediu de ver sua família ganhar corpo, seu pai partir sem deixar vestígios, paixões fluírem na sua direção, o prejudicado é somente você, que provavelmente estava mais preocupado na teoria do que na prática. O que adianta seu discurso “tudo o que eu faço é pela minha família”, se você repetiu isso como um mantra, porém não cumpriu e ainda se viu cada vez mais parecido com quem te criou? 

É uma diversão acima da média de verdade, cujo encanto pelos detalhes acaba por fazer o que esses filmes anteriores só estavam dispostos a reproduzir uma ideia. Já Era Hora sabe que esse jogo já foi jogado, e agora precisa conquistar exatamente quem já teve contato com o que ele reproduz. Aronadio e seu co-roteirista Renato Sannio envolvem de charme essa premissa que, a cada nova feitura, se encaminha mais para a saturação. Se o cansaço passa longe dessa estreia, é porque esse apuro na construção coloca o filme em um espaço de descoberta constante, do início ao fim, alheio a essa premissa. 

Um grande momento

Dante e Valerio na praça

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Marília
Marília
20/03/2023 10:03

Um tapa na cara de muita gente que vive no piloto automático.
Vale a pena!!

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