Crítica | Festival

O Mundo Atrás de Nós

Tempo de amadurecer

(Le monde après nous, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Louda Ben Salah-Cazanas
  • Roteiro: Louda Ben Salah-Cazanas, Clémence Diard, Louise Groult
  • Elenco: Aurélien Gabrielli, Louise Chevillotte, Saadia Bentaïeb, Jacques Nolot, Léon Cunha da Costa, Mickaël Chirinian, Hyacinthe Blanc, Noémie Schmidt
  • Duração: 82 minutos

Nem o campo geral nem os detalhes fazem de O Mundo Atrás de Nós uma experiência singular. Pelo contrário, já visto de diversas formas, essa narrativa ganha o espectador muito pelo que demonstra de humano e falível. Trata-se de um novo encontro com uma geração perdida, entre os 20 e os 30 de hoje, que anda apanhando para encontrar um propósito na vida, e que está disponível para o público através do My French Film Festival. Labidi não é diferente de ninguém, e também não é exemplo; cheio de defeitos, ainda encontra tempo para a paixão mesmo tendo tão pouco a oferecer. O filme não é lá muito detalhista, mas esse é o tipo de roteiro que as possíveis elipses são fáceis de identificar, pois essa é uma fase da vida de fácil recordação, porque a conexão é quase inevitável. 

Esse tipo de contradição entre o fim da inocência representada pela adolescência e uma fase adulta repleta de urgências cabíveis a ela já foi apresentada antes; quais são os filmes e narrativas ainda não apresentados? Não importa muito quando temos um projeto cuja singeleza esteja ligada a questões tão naturalistas assim, em uma escola de cinema que tem sido feita com alguma frequência, geralmente flertando com grande qualidade. O Mundo Atrás de Nós conta a mais prosaica das histórias, que corre ao longo de pouco mais de seis meses, e consegue conversar com uma geração que tenta fugir do futuro revolvendo situações aparentemente intransponíveis, por si só. Labidi não se desespera, ele resolve e segue, mas está constantemente na encruzilhada. 

Esse é o longa de estreia de Louda Ben Salah-Cazanas, que está entrando agora nos 35 anos, ou seja, ele acabou de se despedir da fase onde seu protagonista está. Eu, quase 15 primaveras após a mesma idade, ainda consigo rememorar questões desse momento, enquanto ainda trato de alguns detalhes que Labidi está fingindo não enfrentar. A verdade é que o tempo de amadurecimento do homem sempre foi muito mais atrasado que o da mulher, e as novas gerações estão verdadeiramente postergando sua vida adulta, em qualquer gênero. O interessante é observar como esse personagem define seu espaço emocional de prioridades, que é literalmente vivendo um dia de cada vez, sem se deixar extenuar por qualquer que seja a demanda. 

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Se existe uma saída para Labidi, talvez ela estivesse no equilíbrio que ele encontra ao se apaixonar por Elisa (a excepcional Louise Chevillotte, de Synonymes, Benedetta e O Acontecimento), mas mesmo isso é passageiro, porque o personagem não percebe que chafurda em terreno muito perigoso ao viver indiscriminadamente, sem laços e com as perspectivas alteradas. Em determinado momento de O Mundo Atrás de Nós, próximo ao término, o personagem faz uma auto análise, onde observa as condições arbitrárias onde vive, geográfica e emocionalmente. Ainda não é tarde para ele, mas é um sinal de alerta de que sua falta de laços responsáveis eram sim percebidos, só não visitados por ele. Correr atrás do que se quer, sonhar e realizar, só é possível quando há uma esquematização profunda a respeito de cada caso; ou teria sido tudo uma irresponsabilidade “de verão”?

Trabalhando com a câmera quase sempre fechada em seus personagens, principalmente em Aurélien Gabrielli, O Mundo Atrás de Nós quer passar para o espectador uma sensação de sufocamento desde o seu início, uma proximidade tóxica com o objeto filmado. Isso se dá para que consigamos perceber antes de Labidi o que para ele não está claro – suas decisões o deixarão sem saída. Isso também beneficia o trabalho do ator, que está em cena quase 100% do tempo e que também tenta trabalhar, em corpo e rosto, o oposto da rota de colisão onde se encaminha. É uma interpretação fina, de delicadeza espantosa, que só ressoa ainda mais pela contradição em que roteiro e direção estabelecem, nessa dinâmica. 

É do estudo desse personagem, e da formulação de suas relações – principalmente a de fundo romântico – que O Mundo Atrás de Nós entabula sua reflexão sobre essa desregrada relação do jovem de hoje (aquele que não é mais apenas o cara de 18 anos) com o futuro. Já foi dito que o ser humano hoje é muito mais desapegado à matéria do que já foram gerações anteriores, com suas necessidades de bens. Quanto de psicológico e de recusa a padrões do passado está incluído nesse novo grupo? Labidi é um homem sem pressa, que se vê atropelado pelo mundo e não tem qualquer interesse em impedir o acidente; levantar, porque amanhã tudo pode dar certo, mais do que hoje, menos do que amanhã.

Um grande momento
Aleksei chega no apartamento e flagra o casal

[13º MyFrenchFilmFestival]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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