Crítica | Festival

O Observador

Todos os monstros

(Watcher, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Chloe Okuno
  • Roteiro: Zack Ford, Chloe Okuno
  • Elenco: Maika Monroe, Karl Glusman, Burn Gorman, Gabriela Butuc, Madalina Anea, Cristina Deleanu
  • Duração: 91 minutos

Deslocamento. Estar em um lugar que você não conhece e não se sentir acolhido. Os lugares são desconhecidos; a língua, uma barreira, e a solidão engrandece o medo e a angústia. Em O Observador esse é o inferno interior de Julia, que resolveu arriscar e deixou tudo para trás para viver com o noivo em Bucareste. Lá, além de todos os seus próprios fantasmas, encontra o que parece ser um vizinho que não para de observá-la e um assassino em série, com uma vítima no prédio em frente ao seu.

A estreia de Chloe Okuno em longas, ela dirigiu o curta Slut – que fez as antenas ficarem de pé para seus próximos trabalhos – e assina um dos episódios de V.H.S. 84, é potente na construção do suspense. O filme define bem o seu ponto com elementos que sempre apequenam a protagonista em cena e cores que a destacam do geral. O estranhamento vai sendo assimilado e transformado em tensão e medo, marcado por uma trilha sonora, por vezes invasiva, e pela contraposição do excesso de diálogos desconfortáveis e longos silêncios. Há também a atriz Maika Monroe, bem no papel de Julia, que, com seu olhar perdido e postura acuada, é boa parte do filme.

O Observador vai em um crescente. Com uma cara de clássico de gênero que o longa não nega, pelo contrário, assume com bastante orgulho, desde seus primeiros momentos indica a tensão e o caminho que trilhará. Okuno usa elementos conhecidos para fazer o seu jogo de horror, criando uma espiral psicológica onde as coisas estão pela metade. Aquilo que se vê nunca está completo, o que se ouve não é totalmente compreendido, e o sentimento de imprecisão leva à incerteza. É real? Apesar de ser um lugar conhecido, o filme se encontra muito bem na dicotomia realidade e delírio.

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E essa construção da desconfiança, que leva à paranoia e a uma possível projeção psicológica é muito elaborada. Okuno, assim como em Slut, vai visitar referências, as redesenha e moderniza, e entrega bons momentos. As cenas do cinema e do mercado, feitas em detalhes, ou a prolongada perseguição pela cidade são ótimos exemplos. Nesta última, além de expor a deterioração da personagem, traz confusão e questionamento sobre o que a trama já entregou até ali. E, mesmo que logo depois haja uma quebra de clima, a diretora consegue recuperar a tensão.

Para muito além da técnica, estamos falando de gênero. E falar de gênero é falar de alegoria. O aceno de Julia que a levou ao inferno começa naquele táxi do início do filme, quando o marido traduz a frase do taxista. O terror vem instaurado pelo tratamento que a mulher recebe, pela exclusão que se repete, pelo escateamento. Sua solidão, que descobrimos vir sendo construída há tempos, vem com a tentativa de despersonalização, assim como a libertação precisa estar vinculada ao resgate de si. O ser que a assombra literalmente é uma representação da toxicicidade de uma relação. O monstro que não se revela é, na verdade, conhecido.

O Observador é bem concatenado e usa o gênero de maneira eficiente, lembrando o passado e sem deixar de ser original e ter marcas próprias. Há deslizes, falhas e alguns excessos que, por vezes, comprometem o andamento, mas o modo como aborda o contexto sem ser evidente, transformando o longa em um thriller clássico, ainda encontrando nos sentimentos de angústia e paranoia várias interpretações, torna a experiência interessante. Sem dúvida, uma bela estreia.

Um grande momento
No cinema

[Sundance Film Festival 2022]

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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