Crítica | Streaming e VoD

O Próprio Enterro

O mundo é das raposas

(The Burial , EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Comédia
  • Direção: Maggie Betts
  • Roteiro: Doug Wright, Maggie Betts
  • Elenco: Jamie Foxx, Tommy Lee Jones, Jurnee Smollett, Mamoudou Athie, Alan Ruck, Bill Camp, Pamela Reed, Amanda Warren, Dorian Missick
  • Duração: 122 minutos

O cinema de tribunal estadunidense praticamente poderia ser resumido àquela situação no esquema ‘Davi contra Golias’, que são a base das narrativas baseadas em fatos. Estreia do Prime Video, esse O Próprio Enterro quase que repete a estrutura de tantos exemplares, de Erin Brockovich a O Preço da Verdade. Isso não se configura como um problema a priori, mas também não consegue se desvencilhar de um lugar comum desse filme, tratado com luminosidade extrema para encaixar em sua proposta quase cômica. É um lugar que Jamie Foxx passeia com propriedade, mostrando o que efetivamente fará ao longo da projeção, e que será a mola de sustentação da produção. Daqueles casos onde a generosidade de um profissional nos faz perceber que o interessante do filme é que trata-se de um processo coletivo. 

Maggie Betts, que dirigiu o interessante Noviciado, aqui adapta o artigo de Jonathan Harr sobre um imbróglio judicial que deveria ter sido algo muito simples, mas que as partes jurídicas unidas para o evento acabam por transformar seu encaminhamento. A direção acaba por determinar que esse filme não saia de seu lugar comum da tradição de gênero, o empregando como algo mais conservador. De verdade, não há muita coreografia estética no que vemos aqui; estamos diante de um produto que já teve muito mais valor do que hoje. Quando citei o filme de Steven Soderbergh no parágrafo anterior, não disse que a produção que premiou Julia Roberts já não era uma repetição do que vimos; tratava-se de um olhar adquirido pelo cinema da Nova Hollywood ali, mais cru e cheio de detalhamento no que era filmado, que não está em O Próprio Enterro. 

O que vemos é o tradicional telefilme “baseado em fatos reais”, que a Globo anunciava para o sábado à noite, e o público da época entendia como um filme acima da média, indicado a Oscars e tudo. O que é hoje O Próprio Enterro? Um filme que nasce anacrônico, refém de um tempo que não existe mais (ainda bem!) e cujo destino é estrear exclusivamente no streaming, para ser esquecido antes que o ano se encerre. Para o bem e para o mal, essas experiências que outrora renderiam uma bilheteria considerável e prêmios a granel, hoje não comporta mais sua “boa-mocice”. Estamos em tempos mais cínicos e o cinema que é absorvida com mais tranquilidade hoje exige um pouquinho mais do público do que é realizado aqui. 

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Ainda que Betts tenha percebido o potencial de sua premissa, de investigar uma espécie de engrandecimento de uma condição racial dentro de uma realidade predominantemente branca, e que faça uma denúncia do que a branquitude sempre moldou à História. O Próprio Enterro escancara as convicções de um grupo de pretos em galvanizar sua voz dentro de um espaço onde elas não eram necessárias, e assim mostrar aos brancos como é legal ser coadjuvante de suas narrativas. Isso aconteceu muito mais vezes na vida que no cinema, que apenas retransmitia para o centro da discussão um racismo estrutural e histórico que a sociedade encampava sem vergonha. Faltou ao roteiro insistir nessa ironia que o filme compreende, para dar ao campo geral a relevância que faltava a essa história. 

No centro da discussão, dois grandes atores premiados. Se Tommy Lee Jones (Oscar por O Fugitivo) percebe que, mesmo sendo seu personagem o catalizador dos eventos, não é o centro dos holofotes, Jamie Foxx (Oscar por Ray) faz o que lhe cabe – uma festa dos sentidos. Talvez ainda não tínhamos visto anteriormente o talento de Foxx de maneira tão bem aproveitada pelo veículo de origem, porque abarca suas múltiplas facetas como intérprete. Existe espaço para o drama, para uma internalização de seu personagem e algo parecido com uma reflexão, e também está em cena sua porção ‘show’, que é uma cria de sua trajetória do ‘stand up’; um personagem que é um advogado ‘pavoneado’ é uma benção para qualquer ator. Se existe um motivo único para assistir O Próprio Enterro, ele tem nome e sobrenome, e no mesmo ano de Clonaram Tyrone!, Foxx reconfigura nossa relação com seu talento. 

Um grande momento

“quanto custou seu barco?”

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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