- Gênero: Drama, Comédia
- Direção: Maggie Betts
- Roteiro: Doug Wright, Maggie Betts
- Elenco: Jamie Foxx, Tommy Lee Jones, Jurnee Smollett, Mamoudou Athie, Alan Ruck, Bill Camp, Pamela Reed, Amanda Warren, Dorian Missick
- Duração: 122 minutos
-
Veja online:
O cinema de tribunal estadunidense praticamente poderia ser resumido àquela situação no esquema ‘Davi contra Golias’, que são a base das narrativas baseadas em fatos. Estreia do Prime Video, esse O Próprio Enterro quase que repete a estrutura de tantos exemplares, de Erin Brockovich a O Preço da Verdade. Isso não se configura como um problema a priori, mas também não consegue se desvencilhar de um lugar comum desse filme, tratado com luminosidade extrema para encaixar em sua proposta quase cômica. É um lugar que Jamie Foxx passeia com propriedade, mostrando o que efetivamente fará ao longo da projeção, e que será a mola de sustentação da produção. Daqueles casos onde a generosidade de um profissional nos faz perceber que o interessante do filme é que trata-se de um processo coletivo.
Maggie Betts, que dirigiu o interessante Noviciado, aqui adapta o artigo de Jonathan Harr sobre um imbróglio judicial que deveria ter sido algo muito simples, mas que as partes jurídicas unidas para o evento acabam por transformar seu encaminhamento. A direção acaba por determinar que esse filme não saia de seu lugar comum da tradição de gênero, o empregando como algo mais conservador. De verdade, não há muita coreografia estética no que vemos aqui; estamos diante de um produto que já teve muito mais valor do que hoje. Quando citei o filme de Steven Soderbergh no parágrafo anterior, não disse que a produção que premiou Julia Roberts já não era uma repetição do que vimos; tratava-se de um olhar adquirido pelo cinema da Nova Hollywood ali, mais cru e cheio de detalhamento no que era filmado, que não está em O Próprio Enterro.
O que vemos é o tradicional telefilme “baseado em fatos reais”, que a Globo anunciava para o sábado à noite, e o público da época entendia como um filme acima da média, indicado a Oscars e tudo. O que é hoje O Próprio Enterro? Um filme que nasce anacrônico, refém de um tempo que não existe mais (ainda bem!) e cujo destino é estrear exclusivamente no streaming, para ser esquecido antes que o ano se encerre. Para o bem e para o mal, essas experiências que outrora renderiam uma bilheteria considerável e prêmios a granel, hoje não comporta mais sua “boa-mocice”. Estamos em tempos mais cínicos e o cinema que é absorvida com mais tranquilidade hoje exige um pouquinho mais do público do que é realizado aqui.
Ainda que Betts tenha percebido o potencial de sua premissa, de investigar uma espécie de engrandecimento de uma condição racial dentro de uma realidade predominantemente branca, e que faça uma denúncia do que a branquitude sempre moldou à História. O Próprio Enterro escancara as convicções de um grupo de pretos em galvanizar sua voz dentro de um espaço onde elas não eram necessárias, e assim mostrar aos brancos como é legal ser coadjuvante de suas narrativas. Isso aconteceu muito mais vezes na vida que no cinema, que apenas retransmitia para o centro da discussão um racismo estrutural e histórico que a sociedade encampava sem vergonha. Faltou ao roteiro insistir nessa ironia que o filme compreende, para dar ao campo geral a relevância que faltava a essa história.
No centro da discussão, dois grandes atores premiados. Se Tommy Lee Jones (Oscar por O Fugitivo) percebe que, mesmo sendo seu personagem o catalizador dos eventos, não é o centro dos holofotes, Jamie Foxx (Oscar por Ray) faz o que lhe cabe – uma festa dos sentidos. Talvez ainda não tínhamos visto anteriormente o talento de Foxx de maneira tão bem aproveitada pelo veículo de origem, porque abarca suas múltiplas facetas como intérprete. Existe espaço para o drama, para uma internalização de seu personagem e algo parecido com uma reflexão, e também está em cena sua porção ‘show’, que é uma cria de sua trajetória do ‘stand up’; um personagem que é um advogado ‘pavoneado’ é uma benção para qualquer ator. Se existe um motivo único para assistir O Próprio Enterro, ele tem nome e sobrenome, e no mesmo ano de Clonaram Tyrone!, Foxx reconfigura nossa relação com seu talento.
Um grande momento
“quanto custou seu barco?”