(The Forbidden Reel, CAN, 2019)
O cinema documental nos apresenta a muitas coisas interessantes, acontecimentos, fatos e personagens fantásticos de todas as partes do mundo que jamais conheceríamos. O Rolo Proibido, filme sobre a história do cinema afegão pré-Talibã, é um desses achados. Mesmo que invista no batido, acerta justamente por deixar que aquilo que narra seja o mais importante em tela: o esforço conjunto de pessoas para salvar a memória daquele país do fundamentalismo religioso.
Embora parta do depoimento da pesquisadora Mariam Ghani intrigada com o quase completo desconhecimento sobre a cinematografia, é quando se aproxima dos eventos que encontra sua verdadeira força. Dirigido por Ariel Nasr, o documentário não é nenhuma pérola de execução, faz uma aposta meio descabida na realização de um suspense e se desequilibra entre os conteúdos de entrevistas e campo. O Rolo Proibido divide a atenção e o espaço entre nomes reconhecidos daquele cinema, como os diretores Siddiq Barmak (ganhador de uma Câmera de Ouro por seu filme Osama), Latif Ahmadi e a atriz Yasamin Yarmal, e os que realmente salvaram aquele cinema.
Enquanto os primeiros falam sobre sua cinefilia e produção em meio a regimes como o comunismo e o fundamentalismo, os segundos recontam toda a sua trama para guardar a história. O desequilíbrio é óbvio entre os dois pontos: o mais “impressionado” por nomes que o legitimam, e o mais interessante, factual. Nada diferente desse universo do cinema, em qualquer lugar do mundo, onde alguns tornam-se conhecidos e outros, fundamentais, trabalham na sombra. Porém, ainda que desequilibrado, o filme chega até estes e lhes dá o crédito.
São eles que contam os tristes dias sob o controle talibã. “Tragam todos os filmes, e se um único filme for escondido, isso vai custar a vida de vocês”. A frase de um dos responsáveis pela destruição da Afghan Film, empresa estatal fundada em 1968 com a finalidade de impulsionar a produção cinematográfica e arquivá-la, é uma das mais tristes relembradas no filme, mas, sem dúvida, triplica o valor das ações tomadas por aqueles que ali trabalhavam e acreditavam que as películas tinham algo a oferecer ao presente e o futuro. Filmes foram queimados, mas não todos.
É difícil assistir a O Rolo Proibido quando passamos por um momento tão irresponsável, nocivo e destruidor no Brasil. O modo como o atual governo trata a história do nosso cinema só não é tão explícito como o do Talibã, mas objetiva o mesmo fim. Lá, a Afghan Film desativada; aqui, a Cinemateca Brasileira, com as chaves tomadas e anos de história relegados à própria sorte. Por trás de tudo, ideologias radicais que se dizem favoráveis à família e à religião, mas tem como único interesse a desinformação e aculturação.
Não sabemos ainda se aqui será possível, daqui a alguns anos, contar uma história como a de O Rolo Proibido, mas sabemos que a paixão está presente independente do país, da língua e, no fundo, é o que faz tudo isso existir de verdade, existir para sempre. O documentário do afegão-canadense Ariel Nasr não é perfeito, mas alcança esse amor. Dele por sua terra e de todos pelo cinema de sua terra. Afinal de contas, um precisa do outro. É isso que não conseguem entender do lado de cá.
Um grande momento
“Eles mandaram jogar todos os filmes ali”.