(O Samba É Primo do Jazz, BRA, 2020)
Angela Zoé tem caminho aberto entre o circuito documental, e por já ter entregue trabalhos muito acima da média como Henfil e Meu Nome é Jacque, essa jovem diretora chega à competição de Gramado com O Samba é Primo do Jazz, onde vai investigar o percurso de Alcione ao longo da carreira, mas olhando com carinho as recordações do passado familiar, do início de sua trajetória, de sua intimidade conseguida nas entrelinhas. Esse deve ser um talento muito peculiar de Angela, a proximidade tátil que ela adquire com seu biografado, seja qual for; com a cantora maranhense isso aflora com muita expressividade pelo próprio espírito encontrado na mesma.
Alcione é um exemplo de mulher intensa, sua própria musicalidade denuncia isso de cara, e Angela aproveita sabiamente dessa percepção para criar um vínculo com a cantora que chegue propositadamente até o espectador, com uma frontalidade na câmera, captando sua personagem com veemência – as sequências no carrinho em Lisboa, onde a cineasta a encontra com mais tranquilidade e pureza de sua linguagem, coloquial ao ponto da identificação, são nesses momentos que o filme se entrega aos anseios da sua própria figura filmada e mergulha nas fissuras íntimas da mesma, revelando-a com muita delicadeza.
Ao mesmo tempo em que encanta pela espontaneidade de sua protagonista, o filme não revela muito que já não fosse sabido amplamente, exatamente pela mesma entrega que a própria Alcione dedicou a vida pública, sem timidez ou reservas. Então o trunfo do filme se esgota sem expandir muito as propriedades do cinema, como já tinha feito anteriormente com muito sucesso. Aqui, a personagem engole o cinema e acaba por se tornar maior que ele; se era essa a real intenção (desconfio que sim), fica a certeza de que foi sucedida a ideia – maior que seu veículo, o filme é Alcione acima de tudo.
Com inúmeras entrevistas de arquivo prévias, que mostram uma cantora deslocada no tempo comentando sobre si, sua carreira, sua família, inclusive com detalhes íntimos de sua árvore genealógica, o filme não estabelece um paralelo dessas opiniões passadas com o contemporâneo, sem comunicação entre os tempos, sem investigar esse deslocamento (afinal, 40 anos nos separam de muitas declarações) e criando uma elipse injustificada que trava a conexão com o espectador. Ao mesmo tempo, é ela quem sempre resgata o nosso interesse e nos faz voltar à narrativa.
Com relatos de suas três irmãs e de um jovem música que rapidamente galgou degraus na banda da cantora, o filme é o que costumamos chamar de ‘chapa branca’: com inúmeras opiniões positivadas desses 4 outros personagens, não há contraponto aos adjetivos que seus aproximados declaram sobre a mesma. Assim sendo, vemos desfilar apenas um lado da protagonista sem qualquer conflito; uma espécie de celebração autorizada, mas sem ao menos explorar alguma dubiedade ou conflito, mesmo que interno. A mulher vista no filme é o ídolo, com poucas inserções de algo que a transforme num ser humano comum – e é irônico que Alcione apareça algumas vezes sem maquiagem, mas que sua imagem nunca perca o colorido já conhecido.
Conduzido com elegância, O Samba é Primo do Jazz nem ao menos explicita seu título, deixando ao espectador as óbvias conclusões, apesar de nos instigar com o mesmo. Também esse aspecto, Angela passa ao largo, como a ligação da sua biografada com outra sonoridade que não o samba, que já sabemos previamente. Com exceção da viagem a Portugal, que promove o olhar levemente despudorado que sua personagem desenvolve, Angela perde oportunidades de nos apresentar Alciones diferentes da que o Brasil ama há 50 anos. Sua presença ilumina todos os cantos do projeto.
Um grande momento
Kevin Costner.