Crítica | Festival

Didn’t Die

Entre a vida e a morte

Existem caminhos que são esquisitos, não pelo risco, mas pela indecisão. Você até consegue embarcar nos primeiros minutos de Didn’t Die, pra ver aonde tudo aquilo vai dar, mas o filme que fica flutuando entre o interessante e o frustrante. Daqueles que não morre, mas também não vive plenamente. Com uma estética em preto e branco que traz esse indie gostoso para os amantes de Sundance, a premissa tem potencial: uma podcaster sobrevive em um mundo devastado por um vírus zumbi.

Meera Menon mira no zumbi de apartamento, no fim do mundo de pequenos dilemas domésticos. Aqui o grande conflito não é sobreviver, mas descobrir o que fazer com o tempo extra que a vida deu. Tem humor? Tem. Tem drama? Tem também. Só que as peças nunca se encaixam direito. O roteiro quer ser ácido e ao mesmo tempo sensível, quer brincar com o formato de podcast enquanto serve uma crítica social, quer tensionar com o horror e depois se esparramar no humor ou recolher no drama. E aí o filme vira uma mistura de tudo e de nada, sempre escorregando na própria ambição.

É curioso porque o preto e branco funciona, aproxima o filme de referências do cinema de gênero mais clássico quando o assunto é zumbis e ajuda a pintar aquele cenário de estagnação emocional. As cenas da família são boas, com boa interação entre os personagens e um humor aparece sem forçar, mas isso dura pouco. Logo a trama volta a tropeçar, tentando levantar dilemas que morrem na superfície.

O elemento zumbi é deslocado, quase como um detalhe incômodo. Perdido no drama cômico e na comédia dramática, o terror se perde e não se justifica, com cenas de ameaça quase preguiçosas, e a tal tensão de apocalipse resumidas a uns sustos tímidos que passam batido. O filme até tenta se vender como uma sátira sobre a obsessão contemporânea com conteúdo, com gente gerando conteúdo, mas na verdade está perdido indecisão de tom. Não é assustador, não é exatamente engraçado e, principalmente, não é tão afiado quanto pensa ser.

Mas Didn’t Die também não é um desastre completo. Ele é aquele tipo de experiência que dá pra valorizar na ideia. Tem charme, tem momentos de sinceridade, tem um olhar curioso sobre o tédio e a repetição de quem sobreviveu a tudo. O problema é que nunca engrena de verdade. A gente acompanha mais pela curiosidade de onde vai dar do que pela força da jornada. Quando o filme acaba, a sensação é de que foi simpático, teve bons momentos, mas perdeu uma grande chance.

Um grande momento
O bebê

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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