- Gênero: Documentário
- Criador: Guto Barra
- Canal: HBO Max
- Duração: 60 minutos
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No final de 1992, o Brasil assistiu chocado às notícias da morte da jovem atriz Daniella Perez. Estrela da novela das 8, filha da autora Glória Perez, seu corpo foi encontrado sem vida em um matagal depois de um assassinato brutal. O assassino confesso foi seu parceiro de cena, Guilherme de Pádua, acompanhado por sua então esposa Paula Thomaz. Depois de 30 anos, com a certeza da autoria e indícios sobre a motivação do crime; depois de muito sensacionalismo e das várias versões dadas pelo criminoso, a série limitada Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez retoma a história para contá-la com a perspectiva da mãe, família e amigos da vítima.
“Eu sempre quis contar essa história. Sempre quis que a verdade do processo aparecesse. Que essa história fosse contada da forma que ela aconteceu, e não que ela permanecesse contada como uma novela barata, como um folhetim barato”, diz Glória Perez logo no início do primeiro capítulo, marcando e explicitando as opções de Guto Barra e Tatiana Issa. Em seu seriado, antes que se questione, os diretores conscientemente não darão espaço ao contraditório, disso, trarão o que foi dito no passado e apenas isso, para que possa ser questionado e criticado por aqueles que são seus entrevistados de agora.
O formato é o tradicional dos documentários true crime, com muito material de arquivo e várias entrevistas com familiares, amigos e profissionais de direto. Em cinco episódios, eles voltam ao crime e a via crucis enfrentada por uma mãe que, além de ter que aprender a sobreviver ao luto de perder uma filha da maneira mais horrenda possível, brigou insistentemente para ver seus assassinos condenados. Para além das tecnicidades, a dor é uma constante, destacada pela trilha musical e pelas falas de Glória, mais do que qualquer outra. Em sua contenção, há indignação, tristeza e saudade.
O Brasil aparece num segundo plano, como o único palco bizarro onde eventos como aqueles poderiam acontecer. Estão ali a influência sofrida por serem celebridades que estavam diariamente na casa de todos, a comoção que isso trouxe ao caso e, consequentemente, a cobertura sensacionalista e mais interessada na venda de exemplares do que na apuração e no bom gosto. Também estão a corrupção policial e as diferenças que vêm quando um réu tem dinheiro e pode se encher de regalias desde antes de sua prisão, independentemente de o quanto se esteja olhando para aquilo. Isso sem falar na própria legislação penal, que aliás, como conta o seriado, foi modificada após a morte da atriz graças à mobilização de Glória e Jocélia de Castro, mãe da menina Míriam Brandão, cruelmente assassinada também em dezembro de 1992.
“Certos crimes somente um psicopata é capaz de cometer”
Pacto Brutal perpassa também pontos comuns de qualquer documentário true crime, questionando a sempre presente culpabilização da vítima, os preconceitos com religiões de matriz africana, assédio, homofobia e outros. Barra e Issa dedicam um episódio ao desenho do perfil dos assassinos, onde exploram seus traços narcisistas e psicopatas. A trajetória de Guilherme de Pádua como ator segue a pesquisa feita pela autora de novelas e vai ganhando contornos pessoais com as entrevistas de colegas de palco, o resgate de entrevistas e vídeos, e se transforma ao encontrar sua realidade pós-encarceramento. Já a personalidade de Paula é menos conhecida e se estabelece mais pela própria postura da assassina condenada e pelas ações dos parentes. As versões dos homicidas para o crime, covarde e inexplicável para quem acompanha, mas insignificante para quem o praticou, vão variando a cada nova descoberta.
Os entendimentos e julgamentos são feitos nas entrevistas e o material de arquivo é disposto de maneira cuidadosa, algo importante dada a opção dos diretores. Há uma passagem muito boa quando trata do passado do assassino como Leopardo no famoso show da Galeria Alaska. Algo que poderia ter características homofóbicas — e na época da veiculação das reportagens, sem dúvida, tinha essa conotação — e se transforma em outra coisa, exibindo mais um traço da personalidade definido pelo próprio Guilherme. O que se diz ou se pode inferir, é contextualizado por aqueles que há anos revivem a história.
Fica palpável a dor infinita causada pelo ocorrido, algo que já seria natural na morte de qualquer filho, mas ganha contornos muito mais graves e tenebrosos em um homicídio como esse. Os diretores conseguem dar forma àquilo que Glória repete quando diz que é como se sua filha fosse morta todos os dias. E é tudo muito triste, por todos os eventos, por como eles foram tratados, e até pelo desfecho da história. Em meio a uma produção tão vasta e pasteurizada como a dos true crime, Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez se destaca por sua opção de dar voz a um lado que quer contar a história; e pela complexidade do crime, só solucionado porque uma testemunha viu um movimento suspeito e identificou os assassinos, e punido porque uma mãe incansável comandou uma investigação paralela, juntou provas, testemunhas e moveu o mundo para que a condenação acontecesse.
Eu só acho que não precisava desse título Pacto Brutal, né?
Um grande momento
Na Santa Casa