Crítica | Festival

Pedro Páramo

Entre o sonho e o devaneio

(Pedro Páramo, MEX, 2024)
Nota  
  • Gênero: Fantasia
  • Direção: Rodrigo Prieto
  • Roteiro: Mateo Gil
  • Elenco: Manuel Garcia-Rulfo, Tenoch Huerta, Mayra Batalla, Dolores Heredia, Giovanna Zacarías, Ishbel Bautista, Ilse Salas, Roberto Sosa, Gabriela Núñez, Noé Hernández, Hector Kotsifakis
  • Duração: 130 minutos

Cumprimento de promessa, busca por direitos, resgate de suas origens, não importa quais foram os motivos que levaram Juan Preciado à Comala para reencontrar seu pai, Pedro Páramo, após a morte da mãe. É o caminho que se percorre para conhecer, com todas as pessoas que o habitam e nele transitam, que interessa. A nova adaptação para o cinema do romance homônimo de Juan Rulfo, um dos mais conhecidos da literatura latino-americana, é a primeira direção em longa-metragem de Rodrigo Prieto, famoso pela fotografia de filmes como O Segredo de Brokeback Mountain, Assassinos da Lua das Flores e Barbie.

A tarefa não é das mais simples, uma vez que, para falar da realidade mexicana, de diferenças, da violência e de questões sociais jamais superadas, a obra que inspira Pedro Páramo opta pela abordagem indireta e fantástica. Dois elementos surgem como fundamentais: havia que se recriar o local de desolação e abandono, em dois tempos distintos, que seria o palco de tudo; e a pluralidade de vozes que daria vida àquele que nomeia o filme. Prieto e o roteirista Mateo Gil trazem das páginas a narração múltipla e o tempo não linear, tentam reproduzir o desprotagonismo e tirar a voz principal de ações específicas. Nem sempre isso sai como esperado, mas muitas vezes acertam o ponto e o conjunto faz com que a trama caminhe muito bem.

A adaptação gradual ao nonsense daquela viagem e o equilíbrio entre o humor e o suspense nos encontros fazem a diferença. Num emaranhado de texto e imagens, ruínas do lugar fantasma vão se transformando em passado, assim como suas almas vagantes tornam-se viventes gradativamente para que a história ganhe corpo. As idas e vindas de Juan podem fazer falta a partir de certo ponto, deixando evidente um descompasso a partir de certo ponto, mas o modo como a história captura faz com que isso também se torne natural a partir de certo ponto.

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Pedro Páramo alcança a metáfora original e faz um retrato do abandono e da desolação com sua história de família destroçada, violência e poder. Com definições abertas, Prieto dá espaço aos personagens que crescem à medida que a trama se desenvolve, em especial Damiana Cisneros, a que sempre está lá, com uma boa atuação de Mayra Batalla (Huesera e Rezem por Todas as Meninas Roubadas). Ao lado dela, com bons momentos, estão Tenoch Huerta como Juan Preciado, aquele que inicia a busca pela origem de tudo; Hector Kotsifakis como Fulgor Sedano, o capanga; Dolores Heredia como Eduviges Dyada, a que tudo sabe e vê; Ilse Salas como Susana San Juan, o amor verdadeiro; Roberto Sosa como o padre Renteria, o que teme; e Manuel Garcia-Rulfo, o próprio Pedro Páramo, a representação do fim e do começo.

Casa de ferreiro, a direção de fotografia do longa não é nada tão impressionante assim, embora tenha lá suas construções elaboradas e alguns momentos inspirados. Parece que em meio a tantas outras atribuições sobrou pouco tempo para se dedicar de verdade a ela. Por outro lado, há uma atenção especial à ambientação, à construção dos quadros e, como não poderia deixar de ser em um filme tão entrecortado de si mesmo, à montagem. Ainda que irregular, o Pedro Páramo de Prieto consegue trazer o espectador para um passeio entre vivos e mortos; entre verdades e mentiras; entre sonhos e devaneios, fazendo com que olhe para esse lugar que é nenhum lugar, mas é tantos lugares, e falando marcadamente de outrora, mas não só.

Um grande momento
Conhecendo Eduviges

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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