Crítica | FestivalMostra SP

Berlin Alexanderplatz

O clássico e o moderno, misturados

(Berlin Alexanderplatz, ALE, HOL, FRA, CAN, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Burhan Qurbani
  • Roteiro: Martin Behnke, Burhan Qurbani
  • Elenco: Jella Haase, Albrecht Schuch, Joachim Król, Nils Verkooijen, Welket Bungué, Annabelle Mandeng, Thelma Buabeng, Lena Schmidtke, Thomas Lawinky, Lukhanyo Bele, Mira Elisa Goeres
  • Duração: 183 minutos

Há 40 anos atrás, um dos maiores cineastas alemães da História, Rainer Werner Fassbinder, adaptou um clássico lançado 50 anos antes, “Berlin Alexanderplatz“. Escrito por Alfred Döblin, o romance foi considerado um dos marcos do expressionismo alemão e era considerado infilmável pela quantidade de conteúdo abarcada no original, o que Fassbinder respondeu com uma minissérie de mais de 15 horas de duração mantendo as bases originais. O jovem diretor alemão de origem afegã Burhan Qurbani é bem mais modesto em sua nova versão do romance, transformando um material em 3 horas bem compactas, que deixam claro o enxugamento da narrativa.

Além disso, Qurbani atualizou ao máximo os conceitos da narrativa original, trazendo a imigração política pro centro das discussões. Franz, agora, é um africano que veio de bote pra Alemanha, e no caminho já sofreu a primeira de suas muitas tragédias, aí sim como na tradição do livro. Mas ao atualizar seu contexto político e ampliar as atmosferas de discussão, o diretor tenta tornar a obra uma peça jovem, com ideias e ideais modernos, uma visão contemporânea sobre um conceito de romance que se entende defasado em matéria de debate.

Berlin Alexanderplatz, filme selecionado para a MostraSP

Ao realizar sua própria obra, no entanto, Qurbani conserva os motes e as motivações das personagens, que são particularmente clássicas. Com isso, não é tudo que funciona a título de modernização, parecendo por vezes forçadas as intenções de avançar para o hoje nas contextualizações, enquanto outras parecem encaixar perfeitamente em qualquer tempo, sem soar anacrônicas. A questão dos refugiados em seu protagonista, por exemplo, talvez seja a decisão mais óbvia, ao mesmo tempo que mais soa potente em tela; tudo estava pronto para esse novo Franz vivido de maneira feroz por Welket Bungué (de Corpo Elétrico).

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A forma libidinosa que corre por todas as relações, sejam entre homens e mulheres ou entre pessoas do mesmo sexo, também é um dado positivo de Berlin Alexanderplatz. Existe o mundo do crime que invade aquelas pessoas e seus desejos e quereres, mas também existe paixão, sexo, carne pulsante… que se desenrola e desenvolve pra situações de poder, da forma como o dinheiro se insere na vida das pessoas, dos excessos cometidos. Em determinado momento, está tudo intrinsecamente ligado, como está mesmo na vida real, e fica borrado o que cada fatia dessa representa em cada uma das personagens, que se amam, se odeiam, se beijam, e desejam umas às outras, além de desejarem coisas, e se tratarem como coisas, e se tornarem coisas.

O problema é que nem tudo conseguiu alcançar a textura que permitiria à obra transitar entre espaços-tempo. Se toda essa interação carnal é visível, a verbal permanece muitas vezes enraizada no original, além da própria estrutura cênica, que é amarrada por soluções quase shakespearianas de tratamento interpessoal, soando engessadas e arcaicas com alguma frequência. São declarações e movimentações quase teatrais, que se trazem uma estranheza charmosa, também trazem um deslocamento temporal por vezes surreal, como personagens que ouvem diálogos escondidos em cenários e cenas que se desenvolvem de maneira a encenar um vaudeville; nem sempre acontece organicidade no todo.

Para um projeto de 3 horas de duração, Berlin Alexanderplatz mantém ritmo e interesse do espectador por dividir seus blocos de eventos de maneira literária (mas que funciona, de alguma forma) e por criar uma atmosfera com algum lirismo em cima de delírios do protagonista, e mesmo das cenas coloquiais. Qurbani tem ambição em suas imagens, consegue compreender seus espaço físico, filma com elegância e não exacerba em tiques (o neon, por exemplo, tem uso muito comedido, principalmente na realidade atual do cinema, onde o recurso está sendo multiplamente explorado). Resta uma elegante ascensão e queda no mundo do crime com tintas misturadas, o novo e o velho representados o tempo todo nessa narrativa longa.

Um grande momento
O primeiro assalto

[44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

“Berlin Alexanderplatz” na Berlinale

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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