Crítica | Festival

Por Que Você Não Chora?

(Por Que Você Não Chora?, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Cibele Amaral
  • Roteiro: Cibele Amaral
  • Elenco: Carolina Monte Rosa, Bárbara Paz, Cristiana Oliveira, Elisa Lucinda, Maria Paula, Priscila Camargo, Rodrigo Brassoloto, Erik Doria, Valentina Cysne, Luciana Martuchelli
  • Duração: 98 minutos

Um pesadelo abre Por que Você não Chora?, filme de abertura da competição de Gramado dirigido pela atriz e roteirista Cibele Amaral; após várias cartelas indicativas da sua importância prévia, relativa ao suicídio que é tema do filme; essa não é a melhor apresentação de um filme, que carrega um didatismo inicial nada positivo. Mas Cibele tenta vencer essa rusga com uma narrativa que amarra depressão, distúrbios emocionais e uma investigação acerca de pacientes internados em situação de desequilíbrio, unindo enfim o pesadelo que abre a produção ao seu tema – a protagonista Jessica, de muitas formas, se identifica com os pacientes que irá acompanhar, especificamente com Barbara.

Jessica é um personagem muito bem desenvolvido por roteiro e direção; sempre distanciada, espacial e mentalmente, situada longe de outros personagens por escolha própria, o filme desenvolve essa personagem do qual não temos muito acesso e respeita seu espaço, seu distanciamento, mantendo câmera e imagem em espaços seguros o suficiente para não invadi-la, e pouco a pouco mostrando que sua situação não difere muito das pessoas de quem trata. Em determinada cena, uma orientadora declara que mesmo os psicólogos precisam de análise para se manterem limpas para não absorver o alheio, e Jessica serve como um exemplo fílmico dessa tese.

O filme constrói esse movimento imagético tanto para evidenciar as questões de Jessica com o mundo exterior como também na relação dela com Barbara, que tanto se intensifica quanto se confunde gradativamente, promovendo uma comunicação entre duas mulheres aparentemente tão diferentes mas que se interligam em determinado momento de suas trajetórias conjuntas. Diagnosticada com transtorno borderline, Barbara tem a intensidade e a expansividade que faltam a Jessica, mas essa simbiose que nasce entre as duas também as danifica.

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Por Que Você Não Chora?

Repleto de metáforas visuais aplicadas em sonhos, delírios e agregadas à própria realidade de ambas, o filme não corta o cordão umbilical entre as protagonistas mesmo que de vez em quando pareça querer esse movimento, e que provavelmente era necessário. Mas ao recusar tratá-las em separado, o filme acaba por conectar as linguagens visuais que eram próprias de cada, tornando-as uma só e prejudicando assim a fruição do todo – afinal, os pontos que as tornam comuns também definem suas singularidades, e era importante ressalta-las até para que a temática do filme ampliasse seu discurso, e não fechasse seus conflitos em um.

Ao centrar sua narrativa em diversas personagens femininas (os poucos masculinos têm desenvolvimento insatisfatório), Por que Você não Chora? ameaça discutir hereditariedade que o feminino lega e os laços de sororidade que podem ser acessados pelas mulheres, mas quanto mais se aproxima de seu final, mais nebulosas se tornam as intenções de seu roteiro. Com um foco muito fechado no início, Cibele amplia seu escopo para além do previamente pretendido e o excesso de intenções acaba prejudicando um filme até com uma certa inventividade formal, e com isso também suas personagens centrais saem prejudicadas do processo final.

Do ponto de visto clínico-psicológico, Por que Você não Chora? estabelece diretrizes bem complexas em seu desenvolvimento, embaralhando sem elegância processos distintos e enevoando sintomas que até poderiam soar dramaticamente viáveis, mas que parecem irresponsáveis. Seu elenco é competente no todo e tenta extrair empatia de seus tipos (além do prazer que é reencontrar Cristiana Oliveira e Priscila Camargo tão bem), e suas protagonistas exemplificam até certo ponto estágios distintos e acertados de questões muito sérias, mas o final sem rumo pra uma delas põe a perder um filme que chega a prometer bastante, e infelizmente não se coordena muito em seus intentos.

Um grande momento
Jessica, Barbara e uma xícara quebrada

[48º Festival de Cinema de Gramado]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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