Crítica | Streaming e VoD

Quando a Vida Acontece

Momentos perpétuos (ou 'queime suas pontes')

(Was wir wollten, AUT, 2020)

  • Gênero: Drama
  • Direção: Ulrike Kofler
  • Roteiro: Sandra Bohle, Ulrike Kofler, Marie Kreutzer
  • Elenco: Lavinia Wilson, Elyas M'Barek, Anna Unterberger, Lukas Spisser, Iva Höpperger, Fedor Teyml, Marta Manduca
  • Duração: 93 minutos
  • Nota:

É quase inacreditável o fato de que Quando a Vida Acontece esteja há uma semana entre os mais vistos diários da Netflix, o canal de streaming responsável por sua produção e lançamento. Produção austríaca sofisticada em sua aparente simplicidade e nas curvas humanas que pretende tratar, estreia na direção de Ulrike Kofler (a montadora de O Chão sob Meus Pés), o filme — escolhido da Austria para tentar uma vaga na categoria de melhor filme internacional no Oscar 2021 — é a adaptação de um conto que, em imagens, adquiriu uma sensorialidade muito gentil com sua narrativa. Nada é hermético ou vago, pelo contrário, o longa se preocupa em dar concretude às suas imagens, ainda que não necessariamente no tempo e na hora em que o espectador deseja.

Sabendo desse sucesso antecipadamente, é fácil imaginar tratar-se de uma produção com menos risco e mais direta, tudo que ela não exatamente é. No lugar desse tom facilitador que identifique a maior parte dos sucessos da Netflix, o que temos é um olhar aprofundado sobre momentos dolorosos na vida de um casal, filmados com espontânea delicadeza e inspirada frugalidade; ao invés de se ater a momentos de exposição dramática excessiva. Há maturidade não apenas no filme, mas em seus personagens, todos muito bem delineados e defendidos, que nos fazem absorver o todo com parcimônia e interesse sempre renovado.

Quando a Vida Acontece

Kofler detalha não apenas os acontecimentos, como flashes de um passado pouco acentuado, que Quando a Vida Acontece acessa com respeito por memórias que se desenham cada vez menos óbvias, sem rebuscar sentimentos ou ações. Há uma percepção no filme de que a ruína que está sendo filmada é tão absolutamente banal quando confrontada com a frequência do universo que somos apresentados a essa banalidade de maneira muito vívida, sem jamais denotar pretensão ou aborrecimento, porque a produção cria sua ambiência enredada por muita credibilidade, imagética e narrativa, como se a falta de motivo para suas certezas o fizesse somar mais textura.

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Há um esgotamento emocional no casal protagonista (Lavinia Wilson e Elyas M’Barek, em belos e profundos desempenhos) que transparece não apenas na forma como eles se relacionam, mas nas imagens que o filme produz, com ausência de paixão. Esse vazio que a ausência familiar propicia reflete também o grau e a qualidade da interação que se dará entre a eles e a família que se fará presente em suas férias. Embora pareçam ajustados, pistas aqui e ali dirão como a presença da melancolia que eles trazem desmoronará também esse frágil castelo de felicidade vizinha; “estou triste hoje… às vezes não sabemos o porque”, declara uma menina de 5 anos, ecoando na atmosfera a desordem presente.

Quando a Vida Acontece

Esse lugar de desacerto que parte de uma sucessão de perdas e decepções empilhadas se faz presente em diversos aspectos, até nos cenários que se fazem de práticos porém só são assépticos mesmo. Através de um roteiro que desenrola em sutileza e entrelinhas a forma como a nuvem incômoda de eventos se assenta ao redor dos dias, dos anos, das vidas, Quando a Vida Acontece transparece suas (des)motivações como poucas produções recentes, sem apelar para qualquer arroubo espetaculoso – ao se ater às pequenezas que se alastram pela produção, o olhar para o que deveria ser passageiro se torna definidor, e encontramos respostas às inquietações dentro e fora da produção.

Um dos prazeres de acompanhar o inspirado Quando a Vida Acontece é encarar a suavidade dos personagens em lidar com suas próprias dores e em como isso molda a forma como nos relacionamos com o mundo a nossa volta, seja no nosso próprio quintal ou não. São finas aberturas feitas em momentos de fragilidade e que não definem quem exatamente você é, mas o que você faz com o que te afeta, e como prosseguir depois que os obstáculos se mostram intransponíveis.

Um grande momento
Sorvete de pistache com creme

Fotos: © Film AG Produktions GmbH

Ver “Quando a Vida Acontece” na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Barbara R.
Barbara R.
28/06/2021 01:02

O centro do filme são os personagens, seus conflitos internos e de relacionamento. Filme sutil. Achei bem bonito. Mas quem quer ação, muitos acontecimentos, vai se decepcionar.

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