- Gênero: Drama
- Direção: Amanda Pontes, Micheline Helena
- Roteiro: Amanda Pontes, Micheline Helena
- Elenco: Luciana Souza, David Santos, Pipa, Di Ferreira
- Duração: 75 minutos
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Sei que existe uma ala da crítica que se arrepia inteira e foge só de ouvir mencionar a expressão ‘cinema de afeto’. Particularmente, não tenho nada contra e até me deixo levar por narrativas diretas onde o naturalismo define as regras do jogo, e todos os círculos giram em torno das mesmas delicadezas. Dramas familiares de alcance pequenino nas provocações mas gigante nos sentimentos, essa é a seara que tem produzido filmes superlativos atualmente, tais como Marte Um e Café com Canela. Quando eu me Encontrar também vem atestar a boa onda do cinema cearense, depois de ver Pernambuco e Bahia despontarem como pólos nos últimos anos; indo de Halder Gomes e Edmilson Filho a Pedro Diógenes e Guto Parente, há um debruçamento necessário sobre o estado.
Amanda Pontes e Micheline Helena, diretoras de curtas como Oceano, o filme é a estreia delas na direção de longas e está na mostra competitiva nacional do Olhar do Cinema 2023. É um lugar desafiador nesse ano de estreia do novo formato do festival, mas eles têm um grupo forte de retaguarda a apoiá-las, na frente das câmeras. Quando eu me Encontrar, apesar do trabalho de direção cuidadoso, é um filme de narrativa direta e de elenco na linha de frente. É uma aposta do festival em um terreno de segurança comprovada, mas que não desabona as qualidades que são alcançadas por esse tratamento doce a uma história familiar que mais uma vez no evento atenta para alguém que não está, como em Neirud e Desvío de Noche.
A partir da ausência de Dayane, o trio de protagonistas vivido pela força da natureza Luciana Souza (de Inabitável), David Santos e Pipa criam suas narrativas independentes para lidar com esse corpo que escolheu deliberadamente não estar mais. Enquanto a mãe parece tomada por um sentimento de conformismo e aceitação que vai mostrar seus motivos ao longo do roteiro, a irmã tenta não implodir diante de tantas cobranças de todos os lados, e o namorado é o único dos três que veste o que mais parece um luto oficial. Pontes e Helena tem experiência para não provocar desordem nas três linhas narrativas, e não deixam de mostrar sempre o elo que os unia àquela jovem com vontade de estar bem, e longe de um universo que provavelmente a oprimia.
O futuro marido esperava dela o reconhecimento por ter enfim encontrado sossego na vida e oferecer a ela “uma vida que toda mulher queria”; a irmã queria poder dividir com elas as pressões do começo da vida adulta, o surgimento de uma sexualidade que nela estava muito aflorada; a mãe não queria repetir os erros do passado, mas cobra das filhas acertos que ela mesma nem sempre cometeu. Quando eu me Encontrar segue uma tradição dos bonitos filmes nacionais dos últimos anos, em preencher sua duração com momentos musicais que resgatam canções do passado, e tentam entrar para a iconografia recente. Aqui, Cartola (que está no título) e Chico Buarque são os responsáveis por duas catarses de seus personagens, e o primeiro talvez seja o definidor do curso do roteiro.
O único senão de Quando eu me Encontrar talvez seja grande demais para ser ignorado. Em todos os filmes que podemos lembrar dessa leva recente afetuosa, de A Filha do Palhaço até Temporada, passando por Campo Grande e Benzinho, todos esses filmes explodiam muito para fora da plenitude. Aqui, estamos sempre à beira da “próxima grande coisa” a acontecer na narrativa, e o que temos é um filme sem dúvida tocante, mas que ao mesmo tempo não apresenta nada que o tire de um lugar confortável. De fácil assimilação popular e uma entrega descomunal de quem o conduz à frente, o título não consegue, a despeito de realizar tudo exatamente da maneira como se deve, não oferece a mais um dado narrativo que o tire da horizontalidade. Ao mesmo tempo, há de se ter consciência sobre como o filme irá mexer com o espectador de diferentes formas, e em diferentes lugares.
A direção de atores de Quando eu me Encontrar, no entanto, é o seu ponto mais forte. Pipa exibe todo o frescor do fim da adolescência, uma menina cheia de conflitos que existem nas entrelinhas de um poster no quarto, e uma resposta quanto a um ‘peguete de festa’. A estreia de Di Ferreira em um papel de destaque é um arroubo que nos faz lembrar do surgimento de Fabiula Nascimento em Estômago. Souza, como já citada, mais uma vez mostra porque o cinema está errando muito em não escalá-la mais, e com mais protagonismo; é uma miríade de sentimentos envoltos em economia de gestos. Mas creio que David Santos supere expectativas, como o único que não quer superar Dayana; sua dor vem de um lugar da perda da expectativa para com a mudança programada, e a sensação eterna de ‘e agora?’ que seus olhos transbordam.
Um grande momento
O vômito