Mostra SP

Renata de Almeida fala da 44ª Mostra SP

No começo do ano, uma notícia lá da China chegou para assustar o mundo. Ninguém achou que duraria tanto tempo, mas durou e está deixando marcas terríveis por todo o mundo. Pensando na saúde de todos, estamos trancados em casa e descobrindo novas maneiras e fazer tudo. A saudade das pessoas e das coisas da vida é enorme. E há momentos em que a gente sente mais, por exemplo quando chega aquela época do ano em que fazemos sempre a mesma coisa. É tempo de Mostra de São Paulo, evento que o Cenas cobre há mais de dez anos e, neste ano, teve que se adaptar à distância e às novas tecnologias para acontecer. Como será? A diretora do evento, Renata de Almeida, conta para a gente.

44ª edição! Você está à frente da Mostra de São Paulo desde 1989, de repente vem uma pandemia e muda o jeito de fazer tudo. Você, como a gente, deve ter achado que tudo teria passado até outubro, mas quando foi que viu que teria que fazer algo híbrido ou inteiramente online?

Em março, quando começou o movimento para fechar tudo, eu acreditava. Sempre fui muito otimista de que até outubro ia estar tudo normal, tudo normalizado. Mas, mesmo assim, quando começamos a receber os filmes para seleção, no convite eu deixava as duas possibilidades, já dizia que a Mostra poderia ser uma parte física, uma parte virtual. No começo, o online não tinha uma aceitação boa da parte dos produtores, dos diretores, dos sales, porque todo mundo achava “vai ser físico” até outubro.

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Quando acha que ficou claro para eles, e para você também, que não aconteceria físico?

Quando chegou maio e não teve Cannes, ficou muito evidente que a gente ia ter que trabalhar com essa possibilidade de ser online. Aí a gente começou a convidar os filmes e a falar que ia ser online. Foi quando começamos a pensar em que plataforma íamos fazer, isso em um ano com um orçamento muito menor, quando a gente perdeu patrocínio, porque o mundo inteiro está com problema, inclusive os patrocinadores. A gente teve um corte grande, mas mesmo assim, com o orçamento menor, a gente decidiu contratar uma plataforma já conhecida pelos produtores internacionais para conseguir fechar os filmes.

E como foi isso? É algo nunca feito antes, não é?

Foi aquela luta, né? Porque oferecem sempre 500 views e você tenta aumentar pra 2 mil, aí consegue mil. Tem alguns filmes que a gente conseguiu mil views, alguns 1500, mas a grande maioria, 2000 views, mas foi é uma batalha. E é uma negociação nova. Mas você sabe que a Mostra fez o primeiro festival online? A gente fez sessões online na 33ª Mostra, em 2009. Sabe essa plataforma MUBI? O MUBI quando foi criado se chamava The Authors. A gente conversou, propôs e durante dois anos seguidos a gente fez com eles. O primeiro ano, muito bacana, com filme do Bellochio, o segundo ano também, mas teve pouco alcance, porque naquela época ninguém tinha internet tão boa em casa pra ver, e todo mundo quer ir ao cinema, quer se encontrar. Há uns anos a gente vêm fazendo uma seleção online também      com a spcine play. Mas nunca com essa dimensão de você ter a Mostra integral.

Esse ano, infelizmente, não tem como querer cinema, mas que bom que temos a Internet. Além da plataforma, outras coisas precisaram ser adaptadas nessa relação com o público da mostra. O site foi renovado, por exemplo.

A internet hoje é o que possibilita a Mostra de existir, e isso tem que ser considerado na tomada de decisões. Por exemplo, na plataforma você tem que dar visibilidade para os seus parceiros. Se você vai para uma plataforma que já existe, não vai conseguir dar essa visibilidade. Então a gente pensou muito, e teve a sorte de ter vindo depois, por um lado, porque teve esse tempo de pensar bastante, de fazer reuniões com diferentes plataformas, e decidiu, mesmo com um orçamento muito menor, refazer o site inteiro, que já era algo que a gente tinha que fazer há algum tempo. Agora tá moderno. Eu acho que a pandemia acelerou processos que já estavam em andamento, ou coisas que a gente já pensava em fazer. Esse ano, a gente teve que levar tudo para o mundo virtual, até a lojinha, “vai ter o catálogo fisico”, mas vai ser pela loja virtual! A gente fez essa opção: vamos concentrar o orçamento nesse veículo, na plataforma, no site, porque é por aí que as pessoas vão chegar.

Tem até tag nos filmes. Você nunca foi muito fã.

Fui vencida! Já está lá na plataforma. Eixos e temas… sempre teve essa pergunta na coletiva: “Por que não tem uma seção?”, porque eu acho um pouco reducionista, sabe? Eu quero mais é que uma pessoa que seja homofóbica vá ver um filme com uma temática LGBTQIA+ e seja um pouquinho menos homofóbica depois disso. Esse sempre foi o meu pensamento, acho que fazia parte, mas fui vencida. Até porque essa nova geração, que vê muito cinema pelas plataformas, está habituada dessa maneira. Então eu acho que eu tenho que me flexibilizar também. Eu tive que ceder.

Neste ano, com todo mundo fazendo festival online, a circulação dos filmes ficou muito maior e ainda tem questões como o não aceitar a exibição online e coisas assim, isso dificulta a seleção?

Olha, eu vou te falar, eu acho muito bonito estar disponível em todo o Brasil, sabe? Eu acho muito bacana. E, assim, passaram filmes no Olhar de Cinema de Curitiba que passariam na Mostra e tudo bem não passar, tem lugar para outros filmes. As pessoas tiveram acesso, que seja no Olhar de Cinema, as pessoas tiveram acesso, e no Brasil todo. Eu acho, que ao invés de achar isso ruim, a gente tem que encontrar a beleza, sabe? A gente vai encontrando outras seleções e vai dando chance para outros filmes, outras descobertas.

Esse ano tem menos filmes brasileiros. E não vão passar muitos títulos que estiveram presentes em outros festivais, só os que estiveram em Tiradentes, que foi presencial, né? Que é o caso de Um Dia com Jerusa.

O que acontece: filme estrangeiro tem que ser première brasileira, é o regulamento da Mostra. Filme brasileiro tem que ser inédito pelo menos em São Paulo, e esse ano os filme não estavam mais inéditos aqui, então tivemos que reduzir o número geral. Era para ter ficado em 150 filmes, até pelo orçamento. A gente extrapolou e fomos para 200 e tinha que ter o corte, porque os filmes já tinham circulado. Os filmes que foram no Olhar de Cinema, que foi online; no Festival de Gramado, que foi na televisão, as pessoas daqui e do Brasil já tiveram a chance de assistir a esses títulos, então vamos dar chance e espaço a outras obras. De certo modo, foi um ano em que todos os festivais viraram festivais brasileiros, então não tem sentido.

E você acha que o formato online pode se manter no futuro?

Pode se manter. A minha grande dúvida é se os produtores e sales vão aceitar isso no ano que vem. Eu acho que não vai ser do jeito que foi esse ano, porque agora teve a questão de que esta era a realidade, não tinha como mudar. Era o que era possível. Não adianta guardar os filmes para o ano que vem e tinha uma questão de solidariedade mesmo. Das pessoas cederem e de um setor que está todo em crise. Agora, no ano que vem, a gente espera que as salas estejam já na sua normalidade e eu não acho que tantos produtores vão concordar com o online, mas eu gostaria, sim, de manter uma parte maior do que só os 10 filmes que a gente acaba fechando com o spcine.        

Até porque tem a questão de levar o cinema a mais lugares e pessoas.

É isso. Às vezes não tem nem cinema na cidade. Isso me lembra muito quando a Mostra tinha o programa Mostra na Cultura, na TV Cultura, a gente apresentava filmes que já tinham sido apresentados na Mostra e era um sucesso. O que mais me emocionava eram esses emails de lugares que não tinham cinema e as pessoas estavam ali vendo os filmes, opinando, elas falavam que adoravam. Então isso do acesso é muito bacana. E até a questão do horário faz diferença, porque a pessoa pode adequar o filme ao horário dela. Isso é muito legal e foi uma coisa pela qual a gente optou. No começo do ano eu até cogitei marcar um horário para as pessoas terem a sensação de estar vendo o filme juntas. Depois eu pensei, quer saber, a gente já está tendo as desvantagens da internet, então, vamos ficar com as vantagens também. Assim a pessoa pode fazer o seu horário, trabalhar ou estudar e ver o filme também.

A Mostra é um evento que movimenta muito as redes sociais, que tem muitos grupos dedicados exclusivamente a ela. É engraçado, porque muitas dessas pessoas só se encontram uma vez por ano, outras nem chegaram a se conhecer pessoalmente. 

Eu acho muito legal. Lembro quando a gente fazia sessão no Vão Livre do Masp com Across The Universe e foi uma sessão linda, porque todo mundo dançava. E você tinha os policiais dançando, o público dançando, o pessoal que dorme embaixo do vão livre dançando, foi muito lindo, e não tinha ninguém da imprensa cobrindo, mas o pessoal desses grupos da internet cobriu. Acho que o nome do grupo era O Fino da Mostra e o pessoal de lá fez um texto lindíssimo. Então, ao mesmo tempo, eu acho muito bacana você também colaborar para o encontro das pessoas.

Essa possibilidade de diminuir distâncias talvez seja o que a internet tenha de mais positivo e é o grande diferencial das mostras e festivais nesse momento tão difícil. Também é uma oportunidade de fazer atividades paralelas interessantes. O que vocês estão preparando?

A gente vai fazer muita coisa. Por exemplo, estamos fazendo várias mesas internacionais. A gente fez um recorte novo chamado “Mostra Conversa”, onde a gente conversou com Naomi Kawase, Aaron Sorkin e Abel Ferrara. Eu não sei se eles teriam tempo para vir ao Brasil. A Kawase eu já convidei milhões de vezes e ela nunca pôde vir. A internet possibilita essas conversas. Mesmo no fórum, vamos fazer algumas mesas internacionais, com convidados de fora, e antes ficávamos restritos aos convidados que vinham. Mas é aquilo, tem também muita demanda. Ninguém está indo pra lugar nenhum, mas o que está vindo de demanda para live, essas coisas (risos).

E qual é a expectativa para a 44ª Mostra?

Ao mesmo tempo que acontecer depois nos deu mais tempo para pensar e elaborar a edição, isso traz um certo receio, porque pode vir com um certo desgaste. Mas eu espero que seja um sucesso e, principalmente, que as pessoas vejam os filmes.

Renata de Almeida, diretora da Mostra SP
Foto: Natali Hernandes/Agência Foto

Sobre a Mostra

A 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo acontece de 22 de outubro a 4 de novembro. São quase 200 filmes vindo de 71 países. O Brasil está presente com 36 longas-metragens.

Os filmes estarão disponíveis na Mostra Play, uma plataforma exclusiva desenvolvida pela Festival Scope/Shift72, responsável pelos festivais de Toronto e Tribeca, além do mercado de Cannes; Spcine Play e Sesc Digital. Todos os títulos selecionados podem ser acessados pelo site, que fará o direcionamento.

Ingressos

Os filmes disponibilizados na Mostra Play custarão R$ 6 por visualização. Não haverá pacotes e o número de visualizações por filme será limitado.

Os títulos estarão disponíveis desde o início do festival, em 22 de outubro. A venda de ingressos começa a partir da 00h01, e as exibições estarão disponíveis a partir das 20h.

Agora, além das seções tradicionais da Mostra, como Perspectiva Internacional, Competição Novos Diretores e Mostra Brasil, os filmes também se encontram organizados por diversos eixos temáticos como meio ambiente, história, filmes premiados, filmes infantojuvenis, adaptações literárias.

Mais informações no site da Mostra

Foto em destaque: Mário Miranda Filho/Agência Foto

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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