Documentário
Direção: Paulo Caldas
Roteiro: Paulo Caldas
Duração: 77 min.
Nota: 5
Saudade. Palavra do português que consegue dar conta daquela melancolia que vem com a ausência. De alguém ou de algo, de sensações ou de sentimentos. Será que é possível transformar essa palavra em filme? Esse é o desafio que Paulo Caldas aceita com seu documentário Saudade. Partindo do mito de que a língua portuguesa é a única que tem um verbete para definir o sentimento, ele mescla falantes da Flor do Lácio e dá lugar para que cada um fale sobre aquilo que entende por saudade.
Embora seja repetitivo e nem sempre tenha o formato tão atrativo, o que está por trás de Saudade é tão familiar e de possível identificação que o filme consegue encontrar um caminho para se construir dentro daqueles que o assistem.
A solidão, a própria distância e a saudade como condição ontológica do homem são algumas das tentativas deste reconhecer de um sentimento. Para o astronauta Marcos Pontes, é a esperança de voltar a interagir; para o músico Pedrilo do Blé, a distância e a impossibilidade de saber pelo que o outro passa; para o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr, a saudade deixa de ser uma doença ou aflição da alma para ser uma condição metafísica, ou o desejo de voltar ao Paraíso.
Há também tentativas de explicação para a origem da palavra. É o que faz o escritor Milton Hatoun ao associar razões etimológicas para a definição do sentimento. Num encontro da própria experiência emocional com possibilidades linguísticas que ainda levam à inquietação e à melancolia.
O filme busca a relação de seus entrevistados com o próprio sentimento. “Se eu não for embora eu não poderei voltar”, afirma a cantora cabo-verdiana Mayra Andrade. O que esclarece a necessidade do sentimento, assim como também definiu a coreógrafa e bailarina portuguesa Olga Roriz. Algo que seria imposto e comprado, para o cineasta Miguel Gonçalves Mendes: “adoro, mas acho perigoso”.
O modo de ver estrangeiro também está no filme, com a participação de Adelaide Ivánovi. “É muito grande conhecer essa palavra, abre o mundo”, afirmou depois de dizer que era possível traduzir a palavra por “a dor do mundo”. A necessidade, importância e a única possibilidade de construir uma história, pelo passado, são defendidas por vários entrevistados, como o poeta Antonio Marinho (não ter saudade de nada é não ter nada na vida), o cineasta Karim Aïnouz (sentir falta é não existir, você fica menos sólido), o ator Miguel Hust (faz parte da alma e é dali que vem, ela sai, não entra), o escritor Bráulio Tavares e outros.
Para outros, não tem espaço para isso. Ana Guerra Marques, coreógrafa angolana faz parte deste time que não tem tempo para olhar para trás. A roteirista Adriana Falcão reconhece a dualidade do momento, onde tudo é muito descartável e tudo o que acontece vai contra a natureza da saudade.
Enquanto une seus entrevistados, Paulo Caldas cria associações entre eles e a arte que realizam. Como se a saudade fosse uma peça fundamental para essa criação. Quem dá a melhor explicação para essa conexão é Arrigo Barbané. Na música é possível extrair da saudade algum aspecto de intensidade de vida. O diretor de teatro Zé Celso divaga mais sobre o tema, vendo a saudade como algo incorporado ao mito. Se no drama é castradora, na tragédia é libertadora. “A vida é trágica, o drama é falso”, disse. Ele não acredita no drama da saudade, mas sim na tragédia da saudade.
E se é para falar de saudade, é impossível não falar do maior clichê, o amor. Aqui em uma relação que às vezes é vista como positiva, em outras como negativa, determinada em graus e possibilidades. “A saudade é ser depois de ter”, define o músico Arnaldo Antunes
Entre as definições e compreensões, a história da própria propagação da língua se encarrega da ligação. O mar, palco das navegações portuguesas, aparece sempre. Para o filósofo português Eduardo Lourenço a fixação com a saudade acompanha toda a história de Portugal. É como se fosse um brasão nacional, um tributo mítico e místico. O escritor Sandro William Junqueira aprofunda a definição ao falar da ligação do país com o passado, citando o fado, a literatura. Para ele, a saudade é o estado da alma do português.
O entendimento pode ter um outro lado, revelado pela teórica Grada Kilomba e tem a ver com o apego histórico. O conceito brutal e pouco refletido de saudade que traz em si toda a culpa que há na História de conquistas e nos traumas da dominação de povos.
Há uma outra ausência brutal que também está no filme, esta mais ligada à História brasileira, seja em sua origem, como diz o multiartista Alex Femming ao ver o Brasil como um país de pessoas desterradas, onde há uma democratização deste sentir; ou no vazio que a ditadura trouxe para a vida de muitos. Um vazio que se concretiza, inclusive na ausência do próprio sentimento, como esclarece a roteirista Marta Nehring, que nunca teve esse sentimento como pai guerrilheiro: “ficaram imagens e não a saudade”, pois a saudade exige uma presença.
Presença que é a única capaz de trazer a maior saudade possível a alguém. E qual seria? A de uma mãe que perde seu filho. Se o filme trilha um caminho de empatia e identificação, aqui ele encontra o seu momento mais melancólico e dolorido. A maior perda chega como uma saudade que não tem jeito, diferente de todas as outras. A impossibilidade de tocar, abraçar e sentir o cheiro daquele que esteve tão próximo por tanto tempo. A saudade de ser mãe que diminui todas as outras, circunstanciais diante da permanência daquela.
Um Grande Momento:
Rafaelzinha.
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