Em Masafer Yatta, o chão não é território seguro. É sentença. É documento assinado em tribunal distante que decide quem pode viver e quem será retirado à força. Sem Chão começa nesse espaço marcado, na terra que se abre em rachaduras e demarcações invisíveis. Cada pedra, cada parede improvisada, cada oliveira arrancada carrega a memória de famílias que resistem à ordem de não existir mais.
Basel Adra, palestino nascido e crescido nesse lugar, filma desde menino o que vê desaparecer. Seu arquivo é feito de destruições sucessivas, um registro paciente do desmonte. Ao lado dele, Yuval Abraham, jornalista israelense, cruza barreiras físicas e políticas que Basel não pode atravessar. A amizade que nasce dessa parceria não ignora o abismo entre eles, mas se alimenta do que compartilham: a recusa em aceitar o apagamento como destino.
A câmera nunca se posiciona distante, acompanha mãos que removem escombros e salvam o que podem de casas demolidas; adultos que se desesperam e apavoram, e crianças que brincam na beira da estrada como se a estrada não fosse risco. O cotidiano se infiltra na narrativa, não como pausa, mas como insistência. Cada chá servido, cada muro reerguido com pedras recolhidas no chão é uma forma de dizer que a vida não saiu dali. E vai permanecer enquanto conseguir.
A montagem alterna o ruído dos tratores militares e o silêncio das pausas necessárias. A presença de Yuval, autorizado a entrar onde Basel é barrado, evidencia a diferença de direitos, mas também expõe a escolha consciente de usar esse privilégio para abrir espaços. É um gesto que tensiona e amplia a narrativa, tornando impossível pensar que o filme se sustenta apenas na perspectiva individual.
Sem Chão não busca neutralidade, se ancora na ideia de que filmar é resistir e que testemunhar é um dever. Quando as imagens se acumulam, de casas sendo demolidas, plantações arrancadas e comunidades deslocadas, não sobra conforto. O filme expõe um mundo onde a permanência é luta diária, onde até o chão pode ser retirado de alguém.
Quando termina, o espectador não tem alívio. Tem a certeza de que essa história não está acabada. E o desconforto de perceber que a expulsão em Masafer Yatta não é exceção, mas parte de uma lógica de dois lados: um que insiste em exterminar e outro que insiste em sobreviver.
Um grande momento
“Eu sou jornalista”