Crítica | Streaming e VoD

Shirley para Presidente

Como deveria ser

(Shirley , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: John Ridley
  • Roteiro: John Ridley
  • Elenco: Regina King, Lance Reddick, Terrence Howard, Michael Cherrie, Lucas Hedges, Christina Jackson, Brian Stokes Mitchell, Dorian Missick, André Holland, Reina King
  • Duração: 111 minutos

Se o espectador está cansado de ser servido por tantas biografias todo ano, entrar sempre nas temporadas de premiações compreendendo que será necessário conhecer “a história da vida” de pelo menos uns 5 fulanos, imagina se ele souber que essas estreias não ficam restritas a partir de outubro. 2024 mal começou e nós já tivemos o imenso sucesso de Bob Marley: One Love, semana passada estreou Uma Vida: A História de Nicholas Winton e mês que vem já seremos ‘incomodados’ com Back to Black, sobre Amy Winehouse. No entanto, nenhum desses parece ter a energia e o esmero – em todos os sentidos – que Shirley para Presidente, incluindo os títulos da temporada que se encerrou, com exceção para Garra de Ferro. Não parece muito difícil quando acompanhamos o resultado aqui, então porque é raro que eles surjam com esse equilíbrio?

Também não conseguimos entender porque a Netflix prendeu tanto e por tanto tempo essa produção, bastante superior a Rustin, por exemplo (e não, eu não vou mais citar Maestro). Com apreço a sua protagonista como deve ser, mas que não a beatifica em seus feitos, Shirley para Presidente é o retrato de uma mulher absolutamente comum que talvez tenha chegado a lugares onde jamais imaginou. O filme engloba apenas um período da vida de Shirley Chisholm, a primeira mulher negra eleita congressista da História dos Estados Unidos, e se vê tentada a concorrer a uma vaga pela presidência em 1972. É óbvio que, como digo sempre, nenhuma vida cabe em duas horas, por mais calculado que tenha sido a escolha do enfoque. Mas, entre os mortos e feridos desse tipo de empreitada, direi que os acertos acumulados que vemos aqui não são encontrados com frequência. 

O diretor e roteirista John Ridley ganhou um Oscar justamente pela concisão com que resumiu 12 Anos de Escravidão, que é de verdade um exemplo a ser seguido no gênero. Sem o talento imagético de Steve McQueen, muito menos o orçamento que o cineasta britânico tinha a sua disposição, Ridley consegue realizar um título político que consegue nos fazer compreender áreas acinzentadas da política estadunidense sem prolixismo, ou abnegar da narrativa seus aspectos pessoais. Entendemos que estamos diante de um recorte que passará longe da completude, mas que o máximo é feito para que uma parte considerável do que é sentido por aqueles personagens esteja impresso na imagem. Shirley para Presidente tem muito interesse pelo que é reverberado por cada ação e olhar, por cada contorno revelado em flashbacks, e tudo soa genuíno, interessado. 

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Em teoria, não há nenhum grande feito por trás da realização de Ridley, o que chega até o espectador com força é o que as entrelinhas revelam, sem que suas cenas não estejam explícitas em uma cartilha de intenções. Como quando Shirley chega em casa cansada de um dos muitos dias insanos que tem e terá, e nada parecido com um jantar foi preparado. Não há conflito, ou um diálogo que exploda entre o casal protagonista – o filme prefere olhar para a personagem título, vê-la escolher algo no congelador, e em seguida sentar com o prato. Essa é um dos momentos onde Shirley para Presidente demonstra verdadeiramente querer a aproximação do público para aquelas pessoas, que tais linhas ultrapassam a burocracia de uma produção mediana. 

Existe uma distância entre os corpos que vemos, a ação que eles encenam, e a finalização de suas questões. É como se Ridley nos convidasse para adentrar em intimidades muito finas, que está mais na nuca de alguém que em sua lágrima. Quando enfim essa sutil aproximação acontece, como na cena da explosão por dinheiro, o espectador já esteve muito mais conectado com cada um em cena, a ponto desse momento tornar-se um tanto mais grave. A construção a respeito de cada personagem em cena é tão acurada, que a revelação de seus destinos nas cartelas finais acaba por mostrar desfechos que só teriam como ser aqueles mesmos. É um trabalho cuidadoso feito em Shirley para Presidente, que tenta mover seus personagens sempre na direção oposta a uma beatificação absurda, colocando seus defeitos e qualidades no apontamento de detalhar sua humanidade. 

Lógico que Shirley para Presidente não teria metade da força se não contasse com um elenco de primeira grandeza para mostrar as ranhuras de cada um em cena. A começar por Regina King, vencedora do Oscar por Se a Rua Beale Falasse, que aqui consegue a medida exata entre a naturalidade do ser e um tom ligeiramente acima dos padrões. Terrence Howard e Michael Cherrie também impressionam como os dois lados de uma moeda do futuro. Mas a despeito do alto nível do grupo, onde ninguém escorregue em qualquer que seja o diálogo, Christina Jackson e o já saudoso Lance Reddick estão especiais em cena, contribuindo sempre com o máximo de suas capacidades. Um elenco que abrilhanta, um a um, uma história forjada para ser tão grande quanto sua protagonista, com méritos emocionais e narrativos inegáveis. 

Um grande momento

Ao fim da entrevista

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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