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Garra de Ferro

O horror, por dentro

(The Iron Claw, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Sean Durkin
  • Roteiro: Sean Durkin
  • Elenco: Zac Efron, Holt McCallany, Jeremy Allen White, Harris Dickinson, Lily James, Maura Tierney, Stanley Simmons
  • Duração: 120 minutos

Se não estivéssemos diante de material autobiográfico, poderíamos dizer que Garra de Ferro se trata de um filme de horror. Ou, talvez seja isso mesmo que o diretor Sean Durkin tenha intencionado fazer, buscar na verve da mais melodramática das convenções criadas pelo cinema estadunidense a síntese do cinema de gênero. Não aquele mais explícito ou óbvio, mas aquela situação recôndita dos thrillers mais possíveis, sem saltos no vazio, perseguições alucinantes ou assombrações espectrais. Tudo o que é verdadeiro na história da família Von Erich é horrível sem ser fantástico, e talvez por isso ainda mais assustador. O ponto de ligação que rompe o banal do abominável é acionado sem que o espectador possa perceber, e o efeito dessas desconexões na tela vai além do que se poderia imaginar.

Estamos à beira de um colapso que pede para acontecer, e que é semeado pelas relações humanas, nenhuma delas saudável. Diante de um quadro familiar forjado pela ameaça, sem que exista a possibilidade de respiro mediante uma pressão incomensurável, Durkin calça sua produção da mesma atmosfera que tínhamos visto no Bennett Miller de Foxcatcher. Não à toa, dois títulos calcados na biografia do universo esportivo, onde o apavoramento de seus peões é a tônica da construção dramática, onde aqui tais códigos permaneçam ainda mais escondidos até se tornarem insustentáveis. Existe uma ideia não confessada em Garra de Ferro de avançar a narrativa sem que seja percebido suas motivações junto a uma rebeldia com os gêneros, até não conseguirmos mais identificar onde começa um e termina o outro. 

Graças a um trabalho primoroso de montagem a cargo de Matthew Hannam (um desses pequenos gênios ainda escondidos, com trabalhos espetaculares em O Homem Duplicado, James White, Um Cadáver para Sobreviver, Ao Cair da Noite, Vox Lux e outras pérolas – sério, que filmografia é essa???), Garra de Ferro possibilita essa matemática de gêneros. Não estamos diante de uma aparência estanque; através desse ritmo indecifrável porém sedutor, o caminho está aberto tanto para o ridículo quanto para a melancolia patética, compreendendo também o melodrama traduzido dentro do cinema de gênero. Isso só é possível porque o roteiro de Durkin sustenta todas essas vertentes, e acaba por nos convidar a completar as lacunas tradicionais de uma narrativa que abarca muitos anos com criatividade e liberdade. 

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Garra de Ferro parte de um aparente quadro já conhecido de dinâmica esportiva familiar, onde pai incentiva filhos a darem seu máximo no campo que ele escolheu para si – sem perguntar a ninguém suas reais predileções. De uma maneira sorrateira, como regido por esse personagem que não percebe quão mal faz aos seus, o filme se embrenha em um universo tradicional e envenena cada personagem em cena; o susto ao tomarmos consciência das teclas que estão sendo apertadas é real. Há um grau exposto de matérias muito humanas entre os ingredientes, mas o que não é dito, nem entre eles e nem para si mesmo, cria uma nuvem imperceptível de tragédia que vai além das múltiplas perdas, para atingir um caráter quase sobrenatural dentro de sua inevitabilidade. 

Tem uma crueza no tratamento imagético que é caro ao que Durkin faz em sua filmografia, e assim como em sua estreia, o emblemático Martha Marcy May Marlene, o cineasta mais uma vez traduz um aparente quadro de normalidade com um crescendo apavorante. Aqui talvez seja a vez que ele conseguiu moldar esse olhar tão rarefeito de maneira horizontal, não sobrando muita explicação que traduza os eventos que não o extrasensorial. Salta das imagens para alcançar um teor que não se comporta dentro do tradicional, e sim utiliza de seus elementos para reforçar o que tudo está oprimindo a narrativa. A experiência de Garras de Ferro é exasperante porque a realidade moldou dessa forma, mas seu autor não tem medo de se aventurar mais uma vez por uma ameaça constante, e que não é definida pelo natural. 

O elenco aqui disposto é nunca menos que acima de qualquer média, e Jeremy Allen White, Harris Dickinson e Maura Tierney mereciam destaque na temporada. O que fazem Holt McCallany e Zac Efron, no entanto, vai além de menções do ano; eles contribuem para que o filme funcione dentro dessa chave múltipla exatamente por suas composições. Acabam quase saindo de Garra de Ferro como co-autores, no que tange sua leitura acertada do estado de coisas apontado pela produção. E o caso de Efron, ator oriundo de High School Musical e merecidamente já indicado ao Framboesa de Ouro, o espanto é ainda mais verdadeiro. São duas interpretações tão carregadas de simbiose, entre si e com o projeto, que se complementam até quando não estão juntos. Em um acerto coletivo que perpassa cada setor de produção, é um daqueles raros casos onde tudo parece ter sido feito com a naturalidade de um acerto puro, mas que a conjugação do todo mostrou-se abismal. 

Um grande momento

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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