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Sombras de um Crime

Noir embutido

(Marlowe, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial
  • Direção: Neil Jordan
  • Roteiro: William Monahan, Neil Jordan
  • Elenco: Liam Neeson, Diane Kruger, Jessica Lange, Ian Hart, Colm Meaney, Alan Cumming, Mitchell Mullen, Daniela Melchior, François Arnaud
  • Duração: 105 minutos

Definitivamente é tempo de resgatar o noir. Não que qualquer gênero de cinema se esgote e desapareça por completo, vide as ressurreições de vez em quando acontecem com os faroestes, os filmes sobre a Segunda Guerra Mundial ou produções vistas “sob os olhos de uma criança”. Mas desde O Beco do Pesadelo mais marcadamente, essa predisposição aos títulos policiais passados nos anos 40 e 50 voltaram com uma frequência chamativa, a ponto de trazer Neil Jordan de volta à ribalta. Sombras de um Crime resgata esse que é um dos melhores diretores irlandeses da História, que aqui volta a exercitar sua verve da exploração do lado mais sombrio dos sonhos e desejos, mote principal de sua filmografia recheada dos mais diversificados clássicos. 

Aqui, o noir serve para carregar essas obsessões do diretor pelas camadas mais profundas do delírio, propostas simplesmente pelo gênero. Quando você encampa uma jornada moral em torno da descoberta de um mistério guardado em um tempo passado, automaticamente vocẽ adentra um universo irreal da compreensão humana. Se não estamos mais no hoje, o período faz a sua parte para ajudar o espectador a se deslocar para uma realidade onírica. Essa brincadeira de detetive é uma válvula de escape para que possamos não apenas referendar um outro recorte temporal do Cinema, mas também é a possibilidade que Jordan tem para sair de uma fatia naturalista e embarcar no mundo do faz de conta, do qual estamos todos reféns. Infelizmente essa ideia não consegue cooptar a produção inteira.

O personagem protagonista é baseado em um apanhado de autores. Philip Marlowe foi um detetive criado por Raymond Chandler para uma série de livros, e já foi vivido por Humphrey Bogart, Robert Mitchum, James Garner, entre outros. Sombras de um Crime é baseado em livro de John Banville, resgatando Marlowe das páginas de Chandler para uma nova aventura. Essa também é uma ideia que acaba por criar uma falta de precisão a uma narrativa que passeia por lugares diferentes sem pertencer a nenhum, propriamente, dando nebulosidade a uma matéria-prima que transita por esse lugar de abstração. É mais um detalhe extra-fílmico a contribuir a uma análise de onde Jordan se ancora para conseguir uma textura que se comunica com seu material. 

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Os códigos do gênero estão impressos em Sombras de um Crime, mas a despeito do que parte como ideia complementar de leitura, tudo está disposto de maneira protocolar, quase. A femme fatale, a forma como ela tenta enredar o detetive contratado para alicerçar o caso, os elos que criam a base da narrativa, seu desenho de ‘plots’ que se acumulam, a forma como cada personagem se acomoda e é apresentado em cena, é o ideal para construir a homenagem, mas também é básico. Vencedor do Oscar por Traídos pelo Desejo e do Leão de Ouro por Michael Collins (também protagonizado por Neeson), além de diretor de obras marcantes, Jordan parece acomodado aqui na reprodução de um padrão já testado, mas que ele não tenta elevar para longe do conceito. 

O que o filme apresenta como referencial basta para conseguir uma diversão de qualidade, uma produção que durante aquele tempo de duração irá conseguir a atenção, mas que não fica para além do permitido. É pouco para o que poderia ter sido criado, quando Guillermo Del Toro está conseguindo revitalizar o material e até o turco 10 Dias de um Homem Bom consegue avançar na discussão; são dois lados, um reverente e outro revigorante, para um gênero que pode ser novamente apresentado. Aqui, no entanto, com detalhes que não conseguem avançar (tais como a apresentação de todos os seus personagens, em maioria substanciosos, mas com falhas de conjunto), Sombras de um Crime não passa de uma proposta que se contenta com o espelho, e com ideias que poderiam ter sido aproveitadas na totalidade. 

Mesmo contando com o auxílio de William Monahan (também vencedor do Oscar, por Os Infiltrados), Jordan se embrenha em possibilidades que não se cumprem. O noir, hoje, deveria ser a porta para esse delírio que se nega a tornar-se real, e poderia refletir o tanto de ilusão que o mundo insiste em se curvar, em constante fuga da realidade. Todo esse entendimento até deve estar em Sombras de um Crime, mas não passa de uma primeira camada logo esquecida, apesar da competência de direção de arte e trilha sonora. É um biscoito fino, sem dúvida, mas onde o sabor foi substituído pela forma, onde uma imagem de terror ocupará mais espaço na memória do que o quadro geral. 

Um grande momento

O flash do atropelamento

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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