Série em Cenas

Étoile: A Dança das Estrelas

(Étoile, EUA, 2025)
  • Gênero: Comédia
  • Criador: Amy Sherman-Palladino, Daniel Palladino
  • Canal: Prime Video
  • Elenco: Luke Kirby, Charlotte Gainsbourg, Lou de Laâge, Gideon Glick, David Alvarez, Ivan du Pontavice, Taïs Vinolo, David Haig, Simon Callow, Yanic Truesdale
  • Duração: 60 minutos

Estamos diante do choque. De instituições e de cidades. Fora a arte apresentada no palco, com as cortinas abertas, nada é realmente harmonioso em Étoile: A Dança das Estrelas. Paris e Nova York aparecem sempre em confronto na série, cada qual com seu peso, sua história e seu modo particular de fazer o balé existir. A trama consiste no intercâmbio de artistas entre duas companhias. A bailarina de maior prestígio da França enviada de para Nova York e o mais renomado coreógrafo estadunidense para Paris em uma experiência que, apesar de gerar muito elemento cômico narrativo, tem muito pouco de diplomática e até mesmos de artística. Na verdade, é a resposta a uma crise, um acordo feito por necessidade.

Jack McMillan (Luke Kirby) conduz a companhia de Nova York com a pressão constante de manter seu teatro aberto. É um trabalho que depende de público, de dinheiro e de relevância. “The show must go on“. Geneviève Lavigne (Charlotte Gainsbourg), à frente da companhia parisiense, opera sob outra lógica. Ela carrega o peso de uma tradição que precisa ser defendida, como se o repertório carregasse um valor que não pode ser negociado. São dois modos de pensar a arte que não conversam e a forma como cada um reage ao intercâmbio mostra que o balé está ligado às estruturas que o fundam.

Há um elo que une esses mundos é Crispin Shamblee (Simon Callow), o patrocinador bilionário e excêntrico que financia o projeto, com sua presença eliminando qualquer ideia de inocência. O balé que sua figura caricata sustenta precisa de visibilidade, impacto e, claro, retorno. O futuro das companhias depende das decisões dele, e essa dependência muda tudo. Quem sobe ao palco, o que é encenado, o que vale o risco, tudo passa pelo investimento que Crispin coloca ou retira. Étoile mostra como a arte convive com essa influência em sua rotina.

Dentro desse cenário, surge Cheyenne Toussaint (Lou de Laâge), bailarina francesa extremamente talentosa e formada por décadas de disciplina. Em Nova York, ela enfrenta um ritmo de trabalho que elimina qualquer idealização. A técnica impecável não basta. O corpo dela é exigido como promessa de renovação, peça de campanha e ferramenta de sobrevivência institucional. A dança perde a aura de intocável e vira material de marketing.

Em Paris, Tobias Bell (Gideon Glick) tenta estabelecer seu espaço dentro de um sistema que não acolhe facilmente quem chega para propor mudanças. Ele é um coreógrafo inquieto que quer atualizar a linguagem do balé, mas encontra olhares desconfiados e pouco interesse no novo. A tensão que envolve sua presença vem do contraste entre o desejo de criar e uma resistência silenciosa. O corpo dele, sempre entre avanço e recuo, expõe a instabilidade de quem precisa provar seu valor o tempo inteiro.

Os bailarinos ao redor desses protagonistas também revelam essa dinâmica. São jovens que buscam reconhecimento dentro de estruturas rígidas, lidando com expectativas difíceis de superar. A série filma ensaios como espaços de desgaste, hierarquia e cobrança, com todas as correções, tentativas e falhas comuns à arte. Nada é leve ou tranquilo, mas nada disso chega de maneira pesada ao público. Tantas figuras diferente e estranhamentos facilitam o humor em Étoile, por mais que seu tema não seja o mais agradável.

Quando as duas companhias começam a conviver, a discrepância aumenta. Não existe adaptação plena e nem uma mistura real de estilos. Cada lado mantém suas certezas, suas manias e seus medos. A tradição francesa observa a ousadia norte-americana com cautela, enquanto o pragmatismo nova-iorquino interpreta o rigor europeu como impedimento. Esse movimento entre as cidades revela que o intercâmbio nunca foi pensado para unir, e sim para expor diferenças.

O que interessa em Étoile: A Dança das Estrelas é como a série assume que o balé, quando chega ao público, tem vida e beleza independentes e isso está nas peças mostradas. Nos bastidores, porém, não vive fora do mundo. Tudo ali é movido por dinheiro, poder, história e política cultural. Nenhum gesto é neutro e nenhum corpo dança sem carregar algo além da técnica. A série entende isso e faz da ironia sua maior marca para mostrar como o poder do dinheiro se infiltra em qualquer lugar.

Étoile: A Dança das Estrelas está disponível no Prime Vídel.

O melhor episódio
T01E06: The Disaster

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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