- Gênero: Drama
- Direção: Clarissa Campolina, Sérgio Borges
- Roteiro: Clarissa Campolina, Rodrigo Sorogoyen
- Elenco: Sinara Teles, Carlos Francisco, Kelly Crifer, Karina Silvério, Marisa Bernadete, Rafael Botero
- Duração: 84 minutos
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Se em Arábia o protagonista Cristiano não verbaliza suas ações do ponto de vista analítico, mas sem querer promove uma delicada promoção quanto às condições de trabalho e o psicológico de quem vive numa roda incessante de busca por estabilidade emocional e financeira, Suçuarana faz com que olhemos Dora de maneira mais direta. A protagonista aqui é também ela uma pessoa de incertezas movendo sua trajetória, ainda que jamais seja essa uma busca intrínseca de si – ela sabe o que quer, ou pensa que sabe? Existe uma meta revelada, que é a por uma terra narrada por sua mãe; Suçuarana representa uma espécie de salvação da qual nem sabíamos necessário, mas cuja concretização é um ponto focal. Essa quimera a qual dedicamos uma jornada, talvez sirva para que reconheçamos nosso lugar no mundo, que o filme não apresenta de saída.
Clarissa Campolina (de Girimunho, Enquanto Estamos Aqui, Canção ao Longe e o incrível curta Solon) se junta a Sérgio Borges (de O Céu Sobre os Ombros e Coiote) e ambos realizam um daqueles filmes pelo qual o cinema brasileiro falará por muito tempo. Isso tanto pela forma concisa como apresentam a personagem central, sem retirar dela complexidade e naturalismo, como fazem de uma jornada pessoal, um alicerce para a discussão do tempo de cada indivíduo. O que Dora busca, talvez, seja uma motivação e um espaço para mover sua desgastada fé no encontro, do qual ela foge a princípio, para, narrativa em frente, isso se tornar necessário para uma construção emocional de futuro.
De alguma maneira, Suçuarana se aproxima de uma espécie de tradição do road movie, no que tange o processo de deslocamento de sua protagonista, sempre constante. O que não a impede de tentar paragens, no qual a figura de um cão que a segue, ser o passo definitivo rumo a um afeto que ela provavelmente julga não ser capaz de acessar. Encrenca é o pólo que representa a entrada de tantos outros personagens que passam (ou passarão) por Dora, e que saem ainda órfãos de bem querer. Mas é a partir dele que o filme passa a não enxergá-la mais com aridez, e como Encrenca está em cena desde o primeiro plano do filme, o espectador acaba por ocupar um lugar de reconstrução inicial, mas que é observado em um processo que se arrasta, até vir à tona com a intensidade que só um animal poderia dar em retribuição.
Ainda que a fotografia de Ivo Lopes Araújo tenha papel preponderante na ideia de mapear tanto a significação espacial de um filme que é ambientado sob a égide de um personagem que se desloca ininterruptamente, essa gravura narrativa por trás de Dora é o que nos carrega até o filme. Muito dessa sensação melancólica de um vazio de sentir é construída por Campolina e Borges, mas um tanto é desenvolvido a partir da direção de atores, e principalmente da fabulação desses profissionais com os espaços onde estão inseridos, através de uma memória sensorial. Seja ele algo de concreto, uma casa ou uma fábrica, ou seja um espaço aberto, uma estrada ou um quintal, todas as locações são carregadas de história, de sugestão e de um material afetivo que é buscado por cada corpo em cena.
E nenhum outro corpo está mais entregue em Suçuarana que o de Sinara Teles. A presença da atriz também em Arábia é outra conexão entre os dois filmes, que pode ter servido como uma preparação espiritual para a Dora. Vivendo um cotidiano definido pela busca ininterrupta, por um lugar e por uma reconciliação particular, Dora tem a sorte de conseguir Teles como sua intérprete, uma atriz que parecia aguardar a chegada da personagem. Presença discreta em tudo que fez antes de estar aqui, a simbiose em que unem-se Sinara e Dora é daqueles momentos raros de apreciar, porque vem carregado de uma humanidade à beira da extinção.
Porque caminham em paralelo com muitas ausências de um afeto que nem se imaginava precisar, cada um dos personagens de Suçuarana experimenta uma versão própria da solitude, e de como a adaptação a essa chave varia entre cada ser. Isso não impede a montagem de Luiz Pretti de criar ritmo intenso a essas passagens sem medo de encarar esses fantasmas, de um futuro desconectado a outros seres, de uma ausência de expectativa na colocação social de cada um. Não soam distantes seus temas, e a maneira cada vez mais esgotada com que assistimos cada personagem acaba unindo-os ainda mais, rumo ao desconhecido sentimento de não pertencer a lugar nenhum.
Um grande momento
O primeiro encontro entre Dora e Encrenca