Crítica | FestivalCríticas

Diógenes

Andes universal

(Diógenes, PER, COL, FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Leonardo Barbuy
  • Roteiro: Leonardo Barbuy
  • Elenco: Jorge Pomacanchari, Gisela Yupa, Cleiner Yupa
  • Duração: 77 minutos

Talvez o filme de cultura mais específica visto até agora na Cine BH 2023, Diógenes não poupa o espectador de uma experiência sonora e visual das mais elaboradas. Desde o primeiro plano entendemos onde esse passeio deseja chegar, com seu rigor em tentar capturar o espírito de um povo através (principalmente) do legado das pinturas de tábuas sarhua, um trabalho artístico dos mais elegantes da cultura andina. Ao mergulhar no trabalho de um artista incrustado nas montanhas, o filme também fetichiza suas imagens a tal ponto de que o público não familiarizado com seus costumes acabar perdendo o lastro dessa ideia, e embarcar apenas no espetáculo promovido pelas imagens de impacto. 

O diretor estreante Leonardo Barbuy conta com o trabalho inestimável da dupla Mateo Guzmán e Musuk Nolte na concepção de luz e enquadramentos de sua obra, que carrega para Diógenes o lastro de ser o trabalho artisticamente mais fascinante da programação. Em preto e branco que valoriza a captura da iluminação e demarca os limites entre o que é escuridão e o que é claridade, não há de verdade como desvalorizar o que estamos vendo, pictoricamente falando. É tão desbragadamente bonito, que esbarra na agressão das imagens, porque nunca estamos preparados para o próximo plano, para a decisão da próxima sequência. Essas imagens tem como significado tanto de promover a reclusão de tais personagens (o artista e seus dois filhos), quanto de libertar os sobreviventes à mesma. 

O que talvez não concatene com a mesma qualidade que o diretor imagina é o tanto que uma ideia absorve a outra, não sobrando muito espaço para o espectador dialogar com um lado ou com o seguinte. Diógenes é um olhar a um só tempo carinhoso e austero para os povos dos Andes e o que construiu para a reverberação de sua voz, e que têm nessa prática de pintura um dos seus símbolos mais fortes. Também é uma produção com inspirações muito fortes, onde claramente observamos influência de Bela Tárr e algum Tarkovski, e isso é uma marca d’água autoral de linguagem inconfundível. O que poderia provocar um diálogo conectado aos seus dois lados, muitas vezes provoca um atrito igualmente indissociável. 

Apoie o Cenas

A narrativa do homem que evadiu para longe junto aos dois filhos e que os mantém em espécie de processo de apagamento de sua História é suficientemente forte para garantir signos particulares, que se comuniquem com tantas ordens de inspiração. E Barbuy está disposto a radicalizar na concepção de muitos códigos impressos, como na tentativa de libertação feminina que passa de mãe a filha. É uma imersão saudável que se faz com esse olhar tão poderoso para a masculinidade tóxica que igualmente é traçada de um indivíduo a outro. Diógenes não está procurando uma comunicação simples, mas também não paternaliza esse mesmo público sendo condescendente com tais práticas; a experiência é rica, mas também é exigente a um público mais tradicional. 

Esse é o polo de provocação que nem sempre é raciocinado da maneira mais saudável, por conta das exigências excessivas que o filme cria em torno de suas muitas pautas. Um pai que está doente por tudo que representa (e fez) e dois filhos em caminhos opostos de busca, uma em busca de vida e o outro em busca de morte. Diógenes tensiona sua duração nesse esquema trágico que pode ser acionado a todo momento, e que ainda guarda perguntas para serem expostas com o desfecho da jornada, onde somos apresentados a uma nova introdução do roteiro. O que existia, então, antes do que vemos? A perpetuação de uma formação, que vai na contramão do que o outro personagem representa; existência e desaparecimento. 

Diógenes representa bem o que muitos cinemas têm se ressentido hoje, que é a profusão de ideias e seus aproveitamentos. Tem muitas possibilidades na produção, e Barbuy tenta dar voz a uma quantidade maior do que deveria em cena. Ao invés de solucionar mais suas representações, ele tenta agregar mais e mais caminhos aos que continuamente segue expondo. O resultado disso costuma ser muito mais negativo do que o que vemos aqui, que tem personalidade e qualidades e vozes suficientemente boas para dar vazão às suas amarras. O saldo é positivo sem dúvida, mas sua potência poderia (e deveria) ser ainda mais elevada, dado que tantas camadas poderiam ser melhor definidas. 

Um grande momento

A foto do casamento

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo