Crítica | Festival

André Is an Idiot

Rindo da morte

Existe um tipo de honestidade que poucos filmes conseguem alcançar, aquela que não passa pelo filtro do drama bonito nem pela necessidade de lição de vida, e é exatamente aí que André is an Idiot encontra seu espaço. O documentário já entrega quase tudo de cara, um homem que ignora um exame básico, recebe um diagnóstico terminal e decide filmar os últimos meses da própria vida, tudo isso com uma mistura de humor grotesco e sinceridade desconfortável. O que poderia ser uma viagem clichê sobre redenção e legado vira um retrato estranho, imperfeito, mas vivo sobre alguém que não tem nenhuma intenção de terminar a vida de maneira exemplar.

O documentário é direto ao ponto, sem truques visuais, sem trilha sonora carregada, sem construção de cena planejada para emocionar. A câmera simplesmente acompanha André no cotidiano, nas histórias absurdas, nas piadas constrangedoras e nos momentos em que ele é só um sujeito lidando com a falência do próprio corpo do único jeito que sabe, fazendo graça. E não é um humor fácil, daqueles calculados para aliviar a tensão, é humor de quem sempre viveu meio fora do lugar, de quem não se leva a sério nem quando deveria, de quem reconhece a própria idiotice e transforma isso em uma última grande piada.

Talvez o maior acerto do filme seja não tentar brilhar mais do que André. A narrativa respeita a bagunça da vida dele, respeita os silêncios esquisitos, as histórias que começam sem saber onde vão terminar, a sensação de desconforto que vai surgindo quando o espectador percebe que está rindo enquanto assiste alguém morrendo em tempo real. Não tem cortes rápidos, não tem frase de efeito, tem conversa atravessada, tem devaneio, tem momentos em que ele mesmo parece esquecer da câmera. E é aí que o filme cresce, na naturalidade de quem não está tentando impressionar ninguém.

Claro que o formato escorrega em alguns momentos, algumas situações se repetem mais do que precisam e o filme fica girando em torno da mesma proposta por tempo demais. São os riscos assumidos da proposta, que não tem roteiro fechadinho, não tem arco de personagem, tem só a contagem regressiva desordenada de alguém que continua sendo ele mesmo enquanto tudo desaba.

No fim das contas, André is an Idiot é menos sobre morte e mais sobre a liberdade de viver sem o peso, sem a busca desesperada por sentido. É estranho, é desconfortável e engraçado quando não deveria, é pesado quando não parece, e talvez seja exatamente por isso que seja tão fácil se conectar com o filme. Não tem grandes mensagens, só uma despedida cheia de piadas ruins, histórias desastradas e momentos tão absurdos que só podiam mesmo ser reais.

Um grande momento
Farpa

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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