Crítica | Streaming e VoD

Tetris

Um perdedor contra a Rússia

(Tetris , EUA, RUN, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Comédia, Suspense
  • Direção: Jon S. Baird
  • Roteiro: Noah Pink
  • Elenco: Taron Egerton, Nikita Efremov, Oleg Stefan, Sofya Lebedeva, Igor Grabuzov, Anthony Boyle, Roger Allam, Toby Jones, Ayane Nagabuchi, Ben Miles, Rick Yune
  • Duração: 116 minutos

Alguns dias antes da estreia de Super Mario Bros. – O Filme e Air: A História por trás do Logo, a Apple+ teve a sagacidade de estrear em seu streaming um filme que podemos dizer que seria um mash-up dos dois. Tetris tanto é um filme gerado a partir de um videogame, no caso aquele das formas geométricas que vão caindo na vertical até formar uma linha completa na horizontal, quanto é uma história real de perdedores que conseguem encontrar a grande chance de suas vidas em um negócio milionário. Coincidências demais ou não, é simpático que um filme tão agradável quanto este acabe por se conectar a outros dois igualmente deliciosos de assistir, formando um trio improvável entre as salas de cinema e a sala de casa. 

Dirigido por Jon S. Baird (de Stan & Ollie e Filth), o filme é mais uma prova que, muitas vezes, eventos biográficos são muito mais interessantes do que necessariamente biografias. O foco não está nas pessoas, mas no que as levou até ali; são as motivações e o enredo que constrói a narrativa, e não o contrário. Isso dinamiza as relações, deixa a correção de desenho menos estruturada, e pode definir o que importa de verdade no que o espectador acompanha. Isso não significa que um desenho insignificante será feito a partir de seus personagens, também é o oposto – com essa outra possibilidade, a possibilidade das motivações de cada personagem serem aguçadas pelo seu intuito é ainda maior. 

Vejam Henk Rogers, por exemplo. Vivido por Taron Egerton (de Rocketman) em mais um belo momento, o sujeito que tinha uma empresa de confecção de jogos eletrônicos de fundo de quintal em 1988 sem qualquer lançamento relevante. Quando colocou os olhos em ‘Tetris’, soube que estava diante de uma mina de ouro para todos os envolvidos, e estava certo. Como os tipos mostrados pelo filme de Ben Affleck, Rogers é o tipo de sujeito que mais deseja do que conseguiu realizar, está com a vida familiar tão estável quanto arriscada, e precisa dar uma guinada rumo a algum lugar, ainda que seja ao perigo. A partir daí, o roteiro começa a se armar para sair de uma zona biográfica e adentrar no universo da  espionagem, e quando menos esperamos, Tetris conseguiu nos envolver na sua área cada vez mais cinzenta. 

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Tetris
Apple TV

O que coloca Tetris em lugar tão especial é a sua esperteza imagética, que “transforma” o filme em peça de jogo de consoles antigos, e a edição concebida pelo trio Martin Walsh (Oscar por Chicago), Colin Goudie (de Rogue One) e Ben Mills, praticamente um estreante em longas. O ritmo do filme é frenético o tempo todo, e estamos falando de uma narrativa onde um personagem entra e sai de países, e é perseguido por agentes russos. Não é nada muito elaborado, mas é um resultado que impulsiona o filme para diante e nos coloca completamente na mão do que a narrativa elabora. Não precisa de muito mais para o filme fazer suas provocações diante do comunismo no geral, e especificamente do que acontecia na (ainda) União Soviética naquele período. 

Existe sim um ponto nevrálgico em Tetris, e diz respeito justamente a esse aspecto, que vende uma realidade quase farsesca no retrato da atual Rússia, e de como aconteciam as relações diplomáticas entre turistas e governo. Ainda que o filme não pinte assassinatos – afinal, era só compra e venda de um jogo! – a moldura do que aquelas pessoas estariam representando é mostrado sem verniz algum, o que induz o filme a uma crítica clara ao comunismo enquanto sistema. Não há mal algum em fazê-lo, mas sim em como: não há distorção de fatos, mas com certeza há um distanciamento de uma realidade mais próxima ao espectador, para que aquelas curvas não apenas evidenciem a verdade, e não apenas uma ideia maniqueísta. 

Assinado por Noah Pink (indicado ao Emmy pela série também biográfica Genius), esse é o ponto onde Tetris escorrega, principalmente por ser um filme cuja característica mais evidente é se ater aos fatos, como já mencionado. Quando esses fatos, em algum grau, parecem nebulosos aos olhos de quem assiste, pode quase parecer cômico demais – e para isso já temos Gotcha!, hit oitentista. Comédia, drama e espionagem funcionam quando bem dosados, e o próprio filme é a prova disso, mas essa dosagem tem que estar sempre no equilíbrio correto, principalmente quando se trata de eventos verídicos. Noves fora, ninguém sabia que precisava ver Toby Jones surrando um cara 30 anos mais novo que ele, até ver; essa cena sozinha já valeria dois filmes inteiros. 

Um grande momento
A tensão no aeroporto

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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