- Gênero: Aventura
- Direção: Andy Muschietti
- Roteiro: Christina Hodson, Joby Harold
- Elenco: Ezra Miller, Sasha Calle, Michael Keaton, Ben Affleck, Michael Shannon, Ron Livingston, Maribel Verdú, Temuera Morrison, Antje Traue, Kiersey Clemmons
- Duração: 140 minutos
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The Flash é o quinto lançamento de 2023 que gira em torno do universo dos super-heróis de HQs, e, assim como os outros, o filme chega em um momento bem diferente do que vem sendo apresentado no formato nos últimos 20 anos. A predisposição mudou, nem o público e muito menos a crítica estão dispostas a engolir a quantidade exorbitante de ‘qualquer coisa’ que vinha sendo despejada anualmente; logo, essa talvez seja a hora crucial para o gênero. Em outras épocas, um filme como Shazam: Fúria dos Deuses não teria o destino que teve, um fracasso colossal em todos os sentidos, mesmo que a “fúria” da imprensa tenha sido absolutamente exagerada. Acabou o tempo onde um filme médio seria alçado a nível de acontecimento, como foram tratadas bobagens como Liga da Justiça ou Capitã Marvel.
Então talvez seja o momento de aparecer obras que realmente queiram dizer algo, como Guardiões da Galáxia Vol. 3 e Homem-Aranha Através do Aranhaverso. Nesse sentido, Andy Muschietti, o homem por trás da releitura de It, é feliz porque sua obra é mais um que procura estabelecer um contato com o público que entenda o amadurecimento do público e o cansaço do mesmo com essas narrativas seriadas onde nenhuma ação parece ter muita consequência efetiva. Essa é a ideia por trás do enredo de The Flash, inclusive: ações, boas ou más, geram reações e o mundo adulto precisa aprender a lidar com a forma como se age, seja qual for a intenção. O entrecruzamento providencial de uma ideia exterior que não era prevista torna a experiência em torno do filme especial, de algumas maneiras.
Já fomos apresentados ao personagem-título em outro longa, o que ajuda a livrar-nos da pecha sempre desagradável do filme origem. Isso está pincelado ali, mas com a proposição da lembrança; nosso interesse ao passado de Barry Allen está ligado à tragédia que acometeu sua família, e não ao acidente que gerou sua velocidade supersônica. Que sua trajetória esteja intrinsecamente ligada à sua relação com Bruce Wayne não é apenas providencial, como enxerga The Flash como um espelho invertido de um outro evento fatídico já absorvido por sua vítima. Ao contrário do alter ego do Cavaleiro das Trevas, Allen não se conforma com o que aconteceu, e com a mínima possibilidade de refazer o que já está concreto, ele não pensa duas vezes. A experiência dos conselhos à sua frente não dizem nada, e o tal ‘efeito borboleta’ é colocado à prova de maneira extraordinária.
Temos então um filme oriundo de uma gênese de leveza – a abertura do filme, em uma catástrofe iminente, é tratada com a possibilidade mais juvenil possível – cuja densidade não só humaniza a obra, como também seu protagonista e tudo à sua volta. Não é uma jornada arrancada das telas à fórceps, mas em seu ritmo mais cadenciado, essa transformação de gênero é assimilada com calma pelo ritmo que o próprio filme impõe. Dessa maneira, The Flash não se contenta em deslocar seu olhar apenas para o ‘pão e circo’, mas vê sim as possibilidades de apontar à DC que existe um meio termo de linguagem que não consegue ser alcançado pelos autores que se disponibilizam ao estúdio. Quando já parecia que não tinha mais o que ser almejado pela divisão de heróis da Warner Bros, eis que Muschietti chega apontando um rumo possível.
Tecnicamente, prefiro acreditar na decisão prática do que imaginar que o mais fantasioso aconteceu, que é The Flash mirar no que viu e acertar no que não viu. Em resumo, os efeitos especiais da produção são marcantes de uma maneira bem peculiar: tudo o que vemos relacionados aos poderes de Allen é, digamos, exótico… ou mais popularmente falando, grotesco. Da forma como é apresentado, o resultado não é cômico, mas ‘kitsch’, quase cartunesco, e é preciso que o público abrace o que está sendo testado em tela. É um daqueles casos onde cada pessoa irá encarar com um veredito, onde eu pessoalmente me deixei levar pela ideia de não naturalizar as imagens, mas em saturá-las até provocar um resultado próximo oposto ao do hiper realismo; é a artificialidade abraçada em cada traço.
Com as polêmicas levantadas pelo olhar igualmente exterior na direção de seu protagonista, a melhor coisa a fazer com qualquer obra é tentar centralizar a análise para o que a obra entrega. Ezra Miller está em cena, e não há o que fazer; pensar em xingar o filme a cada aparição sua (e ele é o personagem-título, lembre-se) talvez seja uma forma de ponderar se o melhor não seria ficar em casa. Para quem for, lamento informar que o rapaz está bem adequado às suas duas versões, à vontade com o drama que precisa vivenciar, e que tem uma química muito boa com Sasha Calle, Ben Affleck e… bom, a essa altura todos já sabem né, Michael Keaton. Ele segura bem o protagonismo com os dentes em cenas complexas, e nos faz esquecer como seu caráter ultrapassou o limite do desvio há tempos.
Um aviso final a quem abrir mão de The Flash mesmo sendo um nostálgico incorrigível: Keaton é um dos muitos motivos para a emoção. Embora a DC tenha aparente horror à palavra e ao conceito por determinar que ambos hoje pertencem à Marvel, esse é mais um título que se vale das ideias de multiverso. Logo, os caminhos infinitos aqui são aplicados com muita consciência, e o toque emocional que faltam às muitas vezes que suas ordens são concebidas. Tudo está a serviço de um roteiro funcional, que pode até não cumprir todas as encruzilhadas que arma para si, mas que também não tenta se revestir de mais grandiloquência do que tem. É um passo para cada lado, e no fim da produção, a sensação é a de que a Marvel precisa torcer para que The Flash seja uma exceção, e não o renascimento que parece ser.
Um grande momento
Flash vê os muito reflexos de mundo para tentar salvar dois amigos