Crítica | CinemaDestaque

O Silêncio da Vingança

O retorno de um mestre

(Silent Night, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: John Woo
  • Roteiro: Robert Archer Lynn
  • Elenco: Joel Kinnaman, Catalina Sandino Moreno, Kid Cudi, Harold Torres, Vinny O'Brien, Yoko Hamamura
  • Duração: 99 minutos

Qualquer cinéfilo que viveu os anos 90, não tem outra reação que não a excitação ao saber da feitura de um novo filme de John Woo. O homem foi um ás imbatível no período, nos presenteando com Fervura Máxima, O Matador e nos Estados Unidos O Alvo, A Outra Face, entre muitos outros. Lançado praticamente simultâneo ao seu país, O Silêncio da Vingança é uma novidade quase que estritamente para o fã mais empedernido do diretor, aquele que não conseguiu esquecer seus dias de ouro e vive para rever sua obra em ‘looping’. Eu, como um admirador mais comedido, vejo com empolgação o fato de um filme com o teor violento como esse ainda sequer ser produzido, ganhar o grande circuito e não ser problematizado. 

Woo é de um outro tempo. Na sua época, as pessoas sangravam, e as mortes no cinema eram definitivas, e não algo passível de mudança com um estalar de dedos. Em sua filmografia, a tragédia não media esforços para tomar lugar e os exageros melodramáticos conviviam bem com sua proposta de gênero. Existia o drama da maneira mais aguda porque tudo aquilo que era mostrado afetava a vida do núcleo que ele adentrava, e o resultado não poderia ser outro mesmo. A dor em O Silêncio da Vingança é real, destruidora e uma perda como a que o filme mostra, pode ser tão fatal quanto a própria morte. Partindo de algo avassalador para mostrar sua estrutura, o diretor remonta suas experiências na Ásia, e retorna ao país que o abraçou de uma maneira não antes vista no Ocidente. 

Apesar de contar com elementos dramáticos em suas produções estadunidenses, só agora em O Silêncio da Vingança o cineasta parece ter, enfim, colocado as raízes de seus filmes de Hong Kong em uma produção falada em inglês. E a tragédia não é encenada em clima sutil não; o filho de sete anos do casal vivido por Joel Kinnaman (de Esquadrão Suicida) e Catalina Sandino Moreno (indicada ao Oscar por Maria Cheia de Graça) é assassinado, vítima de uma bala perdida na porta de casa no dia de Natal. O pai também ferido passa meses no hospital, e como o tiro nele acertou suas cordas vocais, o homem não fala mais. Isso não o impede de protagonizar uma das cenas mais dolorosas do ano, ao voltar pra casa e encontrar a árvore cheia de presentes não abertos. Há de se aplaudir a entrega de Kinnaman em cenas dilacerantes, onde mostra um potencial a ser explorado.

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Com as credenciais que têm, embarcamos em O Silêncio da Vingança com expectativa de voltar a encontrar aquele velho Woo de sempre, um exímio construtor de cenas de ação, com coreografias de campo que enchem os olhos e a exploração de espaço de cênico com o qual nos acostumamos. Infelizmente, a especialidade do homem por trás de Alvo Duplo é encenada de maneira truncada, sem algo que o defina como especial, de qualquer forma. A impressão é de estar vendo um produto genérico que, vez por outra, recebe uma descarga de novidade que valide a experiência, mas que não consegue criar uma identidade especial. Ainda é superior a grande parte do que é produzido hoje, o tanto de produções sem carisma que nos assolam anualmente, mas é pouco tanto para o diretor quanto para os esforços particulares do filme. 

A proposta do silêncio da narrativa – existem poucos espaços para o som da voz humana em cena – é curioso a princípio, mas após algum tempo, surge como um recurso que também não consegue ser responsável por transformar o que vemos. E existe no roteiro de Robert Archer Lynn uma quantidade acima da média de situações que são abortadas na metade sem chegar a lugar nenhum, soluções de ação mesmo. Faz parte desse grupo de coisas a própria ideia central, que parece apenas um recurso para O Silêncio da Vingança ter um sabor de diferente, sem justificar sua escolha. Ainda que a utilização seja eficaz (as coisas não ditas não parecem forçadas, e sim são um conjunto de circunstâncias pelo qual o protagonista passa), isso não agrega ao filme qualquer elemento. 

Já o trabalho final de Woo, sozinho, mostra que não existe uma linha de superação para ele. Aos 77 anos, essa lenda que criou um nome em torno de um cinema que poderia ser considerado descartável e do qual ele introduziu muita elegância, não precisa provar mais nada. Fica de mais marcante em O Silêncio da Vingança a ousadia hoje de mostrar de maneira explícita a violência sendo praticada, sem pesar a mão. Talvez esse peso seja incorrido em algum ou outro momento mais dramático, mas não tira o prazer de saber que as capacidades de um mestre estão intactas.

Um grande momento

A operação

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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