- Gênero: Faroeste
- Direção: Alex Cox
- Roteiro: Alex Cox, Gianni Garko
- Elenco: Alex Cox, Zander Schloss, Edward Tudor-Pole, Levee Duplay, Dick Rude, Amariah Dionne, Brendan Guy Murphy
- Duração: 88 minutos
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Um encontro do western e da fábula russa “Almas Mortas” de Nikolai Gogol. Essa é a ideia do filme homônimo de Alex Cox. Sem ser uma adaptação literal e reescrita para adequações regionais, a história se desenrola no Sul dos Estados Unidos, em algum lugar de fronteira com o México. Busca-se um terreno histórico de comércio bizarro, onde nomes de mortos se compram, se negociam e talvez se esqueçam. Esse movimento – dos escravos ou servos da Rússia czarista para os imigrantes mortos do Oeste norte-americao – abre o filme e demonstra que o lucro sobre a morte é prática antiga, assim como a acumulação de “vidas passadas”.
Cox trabalha com economia de meios e extravagância de ideias. Desertos tomados pela luz dura, muita poeira, chapéus escuros, chapas que rangem. A metamorfose do original é clara: o protagonista, interpretado pelo próprio diretor, se disfarça e promete pagar “bem” por nomes de mexicanos mortos, trabalhadores invisíveis que ninguém mais visita. Entre suas negociatas, e acompanhado pela câmera, ele se move em meio a espaços igualmente abandonados onde estão corpos que já não falam, apenas figuram.
É aqui que o filme brilha… e falha. Brilha porque há frescor na recusa de heroísmo: o “herói” não é herói, o monstro é a lógica que inventa o herói. Há um humor ácido, deslocado, um personagem que sorri com o ouro nas mãos enquanto o país à volta dele se desfaz. Falha porque essa virada, esse gesto de crítica, às vezes se dilui em farsa autolimitada. A sátira flutua entre o tom de comédia de picareta e a fábula de exploração sem escolher qual das duas quer ser. O resultado é interesse legítimo, potência estética, mas um impacto emocional que deixa a desejar.
Visualmente, o filme aposta num faroeste clássico, ainda que marcado pela insurgência: a luz entra torta, o plano se estende demais, o protagonista cuida dos mortos e esquece dos vivos. É uma paisagem de herança – de colonos e imigrantes – pintada num quadro que não oferece muito consolo. Há uma cena, ou várias, em que o personagem entrega moedas, abre caixotes, inscreve nomes. São gestos repetidos até perder graça e, talvez, ganhar significado. E quando o filme vira musical improvável ou pausa numa explosão desconexa, sentimos que se diverte – ou se perde – nele mesmo.
O que fica é a sensação de que Almas Mortas quer provocar. Provocar os espectadores acostumados com o western ou com filmes de moral clara. Aqui não há conforto. A exploração está à vista e a morte que se contabiliza é escandalosa. Mas será que o filme quer encarar essa exploração ou apenas brincar com ela? Talvez a luz se apague antes da pergunta, e deixamos a sala questionando, sem saber exatamente o quê.
Se a narrativa escorrega é por que pretende ser caprichosa e caótica ao mesmo tempo. Não subestima a inteligência de quem assiste, mas fabrica enigmas que não se resolvem. Para um cineasta veterano, em especial Cox, é um retorno esperado, mas talvez um tanto nostálgico dos seus gritos de outrora. Almas Mortas tem ambição temática, pergunta sobre identidade, sobre morte, sobre mercadoria humana, sobre elogios tardios a quem já morreu.
No final, permanece a imagem de um homem que circula entre caixões, nomes, pagamentos. Um caçador de mortos que talvez esteja mais vivo hoje do que muitos dos nomes que acumula. Nisso reside o retrato que o filme entrega: não de grandeza, mas de sobra. É a sobra de história, de cadáveres que viraram cifras, de desfalque na memória. Almas Mortas não fecha porta, não acende luz, apenas conta que há contas abertas, nomes não reclamados e vidas que se perderam sem valer nada, ou quase nada.
Um grande momento
O tempo muda


