(Tu que flutuas e passas por mim, POR, 2019)
Cinema de emoções, de sentidos e sentimentos, muito mais que fluxo, mas imagens que registram momentos, saudades e a síndrome do “banzo”, aquele sentimento ancestral africano que remonta à melancolia dos escravos em relação a sua terra natal, ao serem vendidos. Em Tu que Flutuas e Passas por Mim, o diretor português André Sarmento traduz a essência dos fados da sua terra ao colocar em cena uma personagem que simplesmente sente faltas. Não apenas de alguém, como de um outro tempo, outros lugares, outro eu… que possivelmente não é mais facilmente acessado, que o passado levou.
É incrível como em rápidos 6 minutos uma gama de sensações são colocadas à frente do espectador, numa narrativa fácil e envolvente, que nos faz mergulhar naquela mulher que se ressente de alguém que não está mais consigo, de lugares que pertencem quase à outra vida, de ânsias que não serão recompostas com facilidade – uma amostra de que a força do tempo é tão avassaladora quanto os laços que nos unem a esse mesmo tempo, que não está mais seguro ao nosso alcance. É um manancial de memórias que o filme transforma em ondas de recordações explícitas.
Sarmento fotografa e edita seu próprio filme, um trabalho de delicadeza inegável ao investigar os reais espaços narrados por sua interlocutora; essa mulher é vivida por Sofia Pelica, que assina o roteiro junto com ele e construiu essa jornada ao passado redescoberto de uma mulher com a intimidade que seu corpo e voz dão a essa figura que passeia pelo seu querer, hoje tão distante do seu presente. Ao filmar em tons acinzentados essa realidade, o filme coloca essa palidez em contraste com as lembranças tão desejadas, sem que consiga vê-las diferente do olhar saudoso de agora.
Tu que Flutuas e Passas por Mim percorre o coração dessa personagem reconectando seus relatos ao espaço físico que essas palavras ocuparam, criando assim uma narrativa de construção de fabulação que remete à própria idéia fundadora do Cinema – imagens que contam uma história. Ao mesmo tempo em que se situa na tradição ancestral das narrações de causos antigos prévios à Sétima Arte, e que o seu diretor de alguma forma também consegue homenagear.
Um grande momento
Na praia à noite sozinha
[4º Ecrã]