Crítica | Streaming e VoDOscar

Um Lugar Silencioso

(A Quiet Place, EUA, 2018)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: John Krasinski
  • Roteiro: John Krasinski, Bryan Woods, Scott Beck
  • Elenco: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds, Noah Jupe, Cade Woodward
  • Duração: 90 minutos

Cinema é experiência. Atividade coletiva atualmente prejudicada por distrações luminosas e comportamentos barulhentos, raras vezes consegue alcançar uma completa entrega dos sentidos daqueles que assistem ao filme. Curioso que construindo toda a sua história de horror em cima de um dos sentidos, a audição, John Krasinski tenha conseguido. Independentemente de qualquer coisa que se fale sobre Um Lugar Silencioso, o fato de fazer as pessoas prestarem atenção à tela e trabalhar o medo a ponto de fazer com que elas se comportem de uma maneira determinada é tão incrível que não pode ser desprezado.

O longa conta a história de uma família que sobrevive em um futuro pós-apocalíptico dominado por criaturas extraterrestres hipersensíveis ao som. Não há nada de inesperado no modo como essa família se apresenta: são pessoas que aprenderam a conviver com a perda, com o silêncio e com o medo. Mesmo que se encontrem num espaço de recomeço, são marcados por determinações sociais prévias: o homem que provê, a mulher que serve; a dinâmica familiar definida em torno da figura masculina; a necessidade da fé; o padrão educacional; tudo como uma forma de ressaltar a própria humanidade e marcar-se diferente – e superior, outra obsessão tão humana – dos monstros que estão acabando com a espécie.

Um Lugar Silencioso (2018)

Com roteiro do próprio Krasinski, ao lado de Bryan Woods e Scott Beck, Um Lugar Silencioso determina melodramaticamente naquela família todos os tipos de relações de afeto e carência, e, ao mesmo tempo, estabelece um jogo entre a ansiedade e esses sentimentos, mesclando definições e tendências com uma nova realidade. O que se estabelece, posteriormente, funcionará como base para uma nova formação, intuída.

Apoie o Cenas

Toda essa maquinaria vale-se de correlações. Desde o primeiro momento, o espectador é convidado a participar daquilo que está vendo: pelo estranhamento e pelo choque. A regra social estabelecida naquela realidade é demonstrada numa cena longa, dentro de um supermercado. Ainda que escorregue na obviedade em texto impresso, o silêncio da sequência, o uso da LSA (a língua de sinais americana), e a desesperança de um dos personagens, em contraste com os pés agitados do caçula, preparam o terreno para o choque, que trará para fora da tela aquele mesmo medo que domina a família Abbott e qualquer outro ser humano vivo naquele universo. O resultado é o silêncio como há muito não se testemunhava nas salas de cinema.

Um Lugar Silencioso (2018)

Com a manutenção do thriller o filme atinge seu ponto alto. Em conteúdo, encontra situações que justifiquem a ansiedade e a curiosidade na compreensão de atitudes dos personagens. Como e por que alguém naquela situação engravidaria? Conflitos geracionais são cabíveis? A própria manutenção do status é justificável? O diretor transita bem entre as provocações e se utiliza de representações pontuais potentes, como o preenchimento de espaço (todo o sótão ou as caixas de souvenirs), a dubiedade de objetos (o berço-túmulo), o isolamento (as fogueiras à distância). Porém, embora seja ousado e curioso em vários pontos e abordagens, há ainda um apego muito grande ao imaginário comum do gênero e repetições acontecem aqui e ali.

Na forma, Krasinski também mantém o apego, mas não deixa de fazer suas experimentações. O modo como usa a trilha musical, trabalho incrível de Marco Beltrami, é curioso. Há um questionamento válido sobre se num filme tão afeito ao silêncio era cabível o uso de tantos sons. A resposta está na postura das pessoas que assistem ao filme. Bem ou mal, a música é parte da construção dessa relação. E o diretor não a usa de forma óbvia, optando por deslocar o uso dos eventos, como se preparando para eles, mas abandonando-os antes do esperado. O mesmo serve para todo o desenho de som, que também transita entre obviedades e sustos.

Emily Blunt em Um Lugar Silencioso (2018)

Outra coisa interessante em Um Lugar Silencioso é o tratamento ao próprio objeto do horror. Notório que um monstro que se imagina, mas não se vê, é sempre mais eficiente nessa provocação de angústia. Porém, o longa é tão voltado a outros elementos sensoriais que o fato de se conhecer aquela espécie de Demogorgon não causa qualquer dano à história. Pouco importa a aparência do bicho quando a situação é tão mais extrema do que isso. A sequência em que se estabelece o primeiro contato mais íntimo com as criaturas é de puro desespero e tensão. Há uma transferência de medo e de dor muito calculada, que coloca o público dentro daquela banheira com Evelyn (Emily Blunt).

A noção do diretor no despertar da ansiedade e no uso de elementos para a criação do terror, um gênero já tão explorado e desgastado do cinema, chama a atenção. Elementos antigos e novos ou mudanças específicas em algo já estabelecido conseguem criar a tão desejada surpresa. Mesmo que além do horror o filme não seja tão surpreendente assim e volte a tantas outras histórias já vistas, é impossível negar tudo o que Um Lugar Silencioso alcançou. E vamos colocar o silêncio e a atenção do público como uma das mais importantes conquistas.

Um Grande Momento:
Prego

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
Botão Voltar ao topo