Crítica | Streaming e VoD

Uma Sereia em Paris

Delícia vinda das profundezas

(Une Sirène à Paris, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Romance, Fantasia
  • Direção: Mathias Malzieu
  • Roteiro: Mathias Malzieu, Stéphane Landowski
  • Elenco: Nicolas Duvauchelle, Marilyn Lima, Tchéky Karyo, Rossy de Palma, Romane Bohringer, Alexis Michalik, Astrid Hadad
  • Duração: 100 minutos

Em meio a um oásis de mesmice espalhado nos streamings e nos cinemas, mesmo uma ideia reciclada de outras, ao menos quando se reconfigura filmes pouco recuperados, acaba por soar minimamente refrescante. É o caso da estreia de hoje da Amazon Prime Video, Uma Sereia em Paris, produção francesa que parece querer beber em fontes que, ao menos, já têm mais de 20 anos de lançadas. É como se estivéssemos assistindo a um cruzamento entre Splash e O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain, ou ao menos o universo de Jean-Pierre Jeunet; salpique uma pitada de A Forma da Água e está pronto. Ao menos, todas essas produções e autorias são compatíveis e conversam com propriedade, gerando um filme ao menos coerente. 

Esse é o segundo longa de Mathias Malzieu, que estreou no cinema com o adorável Jack e a Mecânica do Coração, animação merecidamente elogiada e reconhecida. Aqui a animação não está necessariamente em cena, mas sua estética não se furta em beber dessa fonte. Além da abertura e do encerramento, o filme ainda apresenta uma cena bem delicada em técnicas de stop motion, que se comunicam com o que está acontecendo em seu roteiro. É abertamente uma fábula adulta, para ser vista por casais de namorados, e totalmente sem contra indicação, aqueles títulos que encantam pelo que a narrativa trás, mas também pelo que os olhos veem. É um daqueles banquetes extravagantes que só diretores franceses trazem pro espectador. 

A trama é bem básica: um jovem músico deprimido com uma desilusão amorosa encontra uma sereia na beira do Sena, a leva para casa e descobre que ela só tem 48 horas de vida em terra firme. No caminho, essa mesma criatura fantástica canta para um médico, o que provoca a sua morte, causando a fúria da namorada do rapaz. São duas narrativas que não são equilibradas, porque nos fica a vontade de conhecer mais da história de amor marcada pela tragédia. Ao invés disso, essa história está em um injusto segundo plano, que poderia oxigenar o filme e levar a narrativa para um lado menos excessivamente positivo. O roteiro não se aprofunda nesse contraponto, para que o lado não-edulcorado da fábula seja salientado; fica sempre na espreita, esperando acontecer. 

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As sereias matam, isso está no contexto da produção. O protagonista é imune ao seu canto mortal, mas fica claro porque essa imunidade existe, e ela é outra situação interessante de ser explorada. Mas nenhuma das duas coisas tem condução aprimorada, com interesse do roteiro em mergulhar em suas questões. Decerto tirariam a leveza de Uma Sereia em Paris e evidenciariam uma melancolia que não há interesse de abordar a fundo, além do caráter trágico da própria relação entre as sereias, seu canto e os homens que enfeitiçam. Do jeito que ficou, o título é uma produção doce para assistir no inverno que estamos vivendo sem sobressaltos narrativos; a escolha pela singeleza coloca o filme em lugar de programa para toda a família. 

Salta aos olhos, no entanto, toda a parte técnica da produção, que inclui sua fotografia, seu figurino e sua direção de arte. Como todos os títulos já citados, Uma Sereia em Paris tem um aprimoramento da parte de sua equipe que transforma o título em um espetáculo visual dos mais interessantes. Principalmente porque não tenta pesar com excessos, e sim com uma beleza simples, até rebuscada e evidente, mas ainda sofisticada; o filme não se sabota em nome de ridicularizar o que está sendo construído. Está tudo sendo exibido com o equilíbrio que o filme não dá ao roteiro ao acompanhar duas histórias; trata-se de uma produção com rigor óbvio, mas que nunca faz com que algo saia do tom. Todo seu cuidado caminha junto para não transformar a produção em uma salada indigesta.

 O casal protagonista, vivido por Nicolas Duvauchelle (de Polissia) e Marilyn Lima (de Sentinela), é muito bem coadjuvado por Tchéky Karyo (de clássico Nikita e recém visto em Victoria e Mistério) e a diva almodovariana Rossy de Palma (de Mães Paralelas). Todos juntos trazem a carga necessária de beleza e sofisticação sem deixar de ser acessível aos públicos que se interessem por vários lados diferentes do cinema francês. Em tempos onde mesmo a Europa apresenta uma filmografia por vezes cansativa, um filme como Uma Sereia em Paris, mesmo sem apresentar valores desconhecidos, anima o espectador em busca de um lugar delicioso. Que sua protagonista se chame Lula… ah, isso deve ser um maravilhoso sinal. 

Um grande momento

Lula assiste um filme

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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