Há um universo ainda inexplorado por grande parte do público do Brasil: o dos curtas-metragens. Com uma produção plural e representativa no cinema brasileiro, os filmes nesse formato acabam restritos ao circuito dos festivais e não conseguem transpor essa barreira. São muitas histórias, personagens e estilos que precisam ser conhecidos, mas simplesmente não chegam ao público.
Pensando nisso, algumas ações estão sendo buscadas, como a apresentação de curtas antes dos longa-metragens em sessões únicas, prática ainda tímida hoje utilizadas por distribuidoras como a Vitrine Filmes e a Olhar Distribuição. Porém, é a iniciativa de outra distribuidora, a Arteplex Filmes, em parceria com uma rede exibidora, a Espaço Itaú de Cinemas, que pode ter encontrado a resposta para aumentar o acesso do público brasileiro aos curtas-metragens.
Pensando no formato de maneira independente, uma sessão de curtas foi montada para exibição. A primeira experiência acontecerá a partir de amanhã (31), nos cinemas da rede em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Salvador, e trará filmes da realizadora Nara Normande. Seus três curtas, Guaxuma (2017), Sem Coração (2014) e Dia Estrelado (2011) foram reunidos no programa “Guaxuma e outras histórias”.
Nara está sempre atenta à adequação da forma às histórias que conta. Transitando entre animações e live-action, construiu uma carreira premiada nos festivais. Guaxuma, seu último filme é construído com três técnicas de animação com areia: desenho em 2D, escultura e stop-motion de bonecos, e estreou no principal evento de animação do mundo, o Festival de Annency, além de ser premiado no Anima Mundi, nos festivais de Gramado e Brasília e no Kinoforum. O curta resgata a memória da amizade da diretora e Tyra na praia de Guaxuma, em Alagoas.
Sem Coração, co-dirigido por Tião, é em live-action e acompanha uma turma de pré-adolescente em férias. O filme saiu premiado da Quinzena dos Realizadores em Cannes e do Festival de Havana. No Brasil também conquistou prêmios no Kinoforum, Festival de Brasília, Goiânia Mostra Curtas e Curta Cinema. Já a animação Dia Estrelado, busca inspiração em um dos quadros mais importantes de Van Gogh para contar a história de uma família no seco Sertão.
“Iniciativa incrível”
Com um programa só seu nos cinemas Nara fala sobre a iniciativa e a expectativa por outros programas como este e afirma que é algo muito importante para impulsionar a visibilidade dos curtas brasileiro. “O público que frequenta os cinemas tem pouco ou nenhum contato com curtas-metragens e essa é uma ótima oportunidade de conhecer esse formato. Para mim, que não tenho longa-metragem e meu trabalho nunca entrou em circuito comercial, é uma excelente janela. Os curtas são muito desvalorizados no Brasil e essa é uma forma inteligente de dar o valor que eles merecem”, afirma.
Nara conta que os curtas foram fundamentais para sua ligação com o cinema. “Eu comecei a gostar de cinema através dos curtas, eles foram e são essenciais na minha formação, e muitas vezes em festivais prefiro ver uma sessões de curtas que um longa”. A realizadora ainda expôs a dificuldade de acesso e a realidade restritiva ao formato, e destacou a importância de programas como o “Guaxuma e outras histórias”: “Poder ver uma sessão de curtas de uma pessoa que não necessariamente tem uma carreira consolidada, e fora dos circuitos de festivais, é uma nova maneira de pensar esse mercado e que tem bastante potencial. Também uma forma de impulsionar a carreira da/o cineasta e de formar um novo público, de mostrar o quão rico e diverso é o nosso cinema e que ele não se resume aos longas”.
Ao falar sobre sua experiência como diretora, Nara destacou o gosto por contar histórias e disse que enxerga a variedade das técnicas que já utilizou como necessárias para contar cada uma das histórias. Ela falou ainda sobre a importância da pré-produção. “O meu trabalho de realizadora envolve uma pesquisa grande, eu gosto muito dessa parte inicial, de entender o que a história demanda, em qual formato ela poderia ser filmada. Preciso de tempo para fazer testes, errar”, afirmou.
Sobre o futuro, após dez anos de cinema, a diretora esclareceu que entende um pouco mais o caminho que quer seguir e as histórias que quer contar. Ao definir seu cinema disse que ele “tem uma grande força da minha infância livre passada na praia, e muito de quem eu sou hoje e como me vejo no mundo, uma mulher lésbica, nordestina, de classe média”.
A cineasta tem dois projetos ainda em etapa de desenvolvimento e captação de recursos. O primeiro é O Verão tá quase acabando, seu primeiro longa em live-action, produzido por Emilie Lesclaux, e que repete a parceria com Tião na direção. O filme será rodado em Alagoas e será focado no universo infantil e adolescente. O segundo projeto, Terra Nua, mistura live-action e animação, e a história gira em torno de uma mulher de 30 anos.
“Os formatos, entendi que podem ser vários, e isso é o que mais me fascina no cinema, essa enorme gama, quero ter essa liberdade de fazer o que quiser, seja ficção animada, ficção com atores, documentário meio animado, meio filmado. Espero ter essa liberdade nos longas também”, afirmou Nara.
Guaxuma e outras histórias
O programa Guaxuma e outras histórias, com os curtas Guaxuma, Sem Coração e Dia Estrelado estreia dia 31 de janeiro nos cinemas do Espaço Itaú de Cinema nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Salvador e permanece em cartaz por todo o mês de fevereiro. Os ingressos custam R$ 14 (inteira) e R$ 7 (meia).