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Vênus

Um prédio dos infernos

(Venus , ESP, 2022)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Jaume Balagueró
  • Roteiro: Jaume Balagueró, Fernando Navarro
  • Elenco: Ester Expósito, Inés Fernández, Ángela Cremonte, Magüi Mira, Aten Soria, María José Sarrate, Sofía Reyes, Federico Aguado, Pedro Bachura, Francisco Boira, Fernando Valdivielso
  • Duração: 96 minutos

Não é sempre, mas algumas vezes, quando duas potências do cinema se encontram, um belo exercício de gênero costuma resultar de tal acontecimento. Vênus, em cartaz na HBO Max, é o resultado dos esforços conjuntos do diretor Jaume Balagueró e do produtor Alex de la Iglesia, os dois nomes mais proeminentes do terror fantástico espanhol das últimas décadas. Graças a essa união, somos apresentados a uma produção que nem tem muita novidade narrativa; estamos falando do amálgama entre tantos outros roteiros que já vimos em muitas filmografias. Mais uma vez, o resultado da qualidade do projeto se dá pelo talento dos envolvidos, que conseguem seduzir com essa quantidade elevada de pontos de virada, que sempre levam a lugares gradualmente surreais. 

Quando falo em surrealismo, não tem necessariamente a ver com o fantástico; ele está presente, sem dúvida, mas a surpresa é pela forma como as coisas se desenvolvem e chegam até o ponto seguinte. Existe uma gradação natural de eventos, que se intercalam de maneira acertada, mas Vênus é um daqueles casos onde assistimos sem acreditar que o diretor terá coragem de andar mais, e Balagueró tem. Tudo vai até o limite do absurdo e, em determinado momento, até ultrapassar isso é conseguido, sem declínio do tratamento coletivo de sua qualidade. Como já conhecemos o trabalho do diretor de [REC], sua combinação com Iglesia não poderia gerar outra coisa que não um avanço contínuo na direção de algo corajoso. 

Essa coragem também se traduz pelo retorno de Balagueró ao desassossego pelo qual sua carreira é conhecida. Seu filme anterior que foi hit no Brasil, Assalto ao Banco da Espanha, era uma produção comportada e cheia de mesmices narrativas, sem qualquer imaginação. Vênus retoma seu diálogo com o cinema de gênero, e o faz como um dia Robert Rodriguez um dia concebeu Um Drink no Inferno. Não estranharia que o roteiro de Quentin Tarantino para aquele filme fosse uma inspiração aqui, quando percebemos que muito do que vemos não terminará o filme no mesmo registro que começou. Por isso a ideia de mutação que é incluída na narrativa não nos parece estrambólica, porque em um momento dos anos 90, era comum vermos um filme que parecesse conversar com muitas propostas. 

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Outro ponto de bravura da produção é ao não ter medo de enfrentar o bom mocismo que assolou o cinema, de muitos tempos para cá. Vênus, desde seu início, demonstra uma predileção pela violência explícita, pelo descontrole gráfico que suas imagens provocam. Assim como todo o resto, não é uma injeção de novidade, mas também é uma forma de mostrar ao espectador que já tivemos momentos mais dispostos a inquietação da imagem no cinema. Hoje, o bom comportamento pauta as conduções de narrativa; Balagueró e Iglesia, combinados, representam uma vontade genuína de mostrar crueza em cada plano, e abusar do incômodo. Apesar do excesso de hemoglobina ser um desses fatores, não é o único, enquanto também estamos diante de chantagens emocionais e de um mal estar que tem a ver com a predisposição psicológica de cada personagem e de cada passagem. 

Quanto ao trabalho de criação de realização confiado ao seu autor, a produção igualmente não tenta ir além do possível; Vênus é mais bem sucedido em seu conjunto do que no campo de investigação que suas imagens poderiam ocupar. A criação das personagens é repleto de imaginação, assim como o arrojo em relação ao seu teor sanguinário, mas isso não é suficiente para transformar seu trabalho de decupagem em algo mais elaborado. A diversão em cena é suficiente para moldar nossa relação com o filme, mas não existe algo muito além disso. O resultado é mais um título atraente em seus elementos em separado, mas que não consegue criar um material cinematográfico que acompanhe a dedicação braçal do todo. 

Acima de tudo, há a propensão de um universo do qual todos estão em sintonia de criar. Seja no trabalho de Ester Expósito (de Elite), que persegue os muitos lados de sua Lucía e em todos eles sempre demonstra propriedade, seja na própria dinâmica criada pelo roteiro, que encaminha seus tipos na direção de uma mitologia, mesmo que isso parta de uma despretensão. É nesse lugar inclusive que o filme ganha; estamos de olho na história direta, e vai passando ao largo essa construção de algo maior, que move Vênus na contramão desse olhar sem pretensão, rumo a uma primeira parte. Quem sabe?

Um grande momento
O encontro entre Salinas e a criada

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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