- Gênero: Documentário
- Direção: Sara Dosa
- Roteiro: Sara Dosa, Shane Boris, Erin Casper, Jocelyne Chaput
- Duração: 96 minutos
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Sucesso no Festival de Sundance deste ano, posteriormente também na Mostra SP e chegando agora ao streaming da Disney+ onde isso deve se repetir, qual o fascínio por trás de Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft? Assistir a um dos longas favoritos ao próximo Oscar de melhor documentário é uma experiência recompensadora não daquela forma clichê de quem escreve isso esperando transmitir um determinado sentimento. A recompensa vem na forma das imagens que foram concebidas pelo casal durante mais de 20 anos, mas também da própria atividade que eles exerciam conjuntamente. Esse tal fascínio que tem arrebatado tantos é então fruto de uma experiência coletiva provocada pelo filme, que poderíamos dizer que nenhum outro tinha provocado antes. Até que…
E não é que “apenas” Werner Herzog resolveu lançar também ele um documentário, no mesmo ano, sobre o casal Krafft? The Fire Within ainda não tem previsão de lançamento no Brasil, mas já estreou no streaming nos EUA. As abordagens imagina-se que sejam distintas; Herzog ama as criaturas, mas ama igualmente as coisas. O pequenino gesto que reverbera maior a partir desse microscópio que constrói. O filme de Sara Dosa tem um quê tradicional mais forte, porém é um filme tradicional sobre um casal de vulcanólogos que dedicou sua vida ao estudo e à paixão – um pelo outro e pelos vulcões. Logo, o que exatamente poderia ser tradicional só pegando de ponto de partida essa premissa? Por mais convencional que seja – e é bem menos do que estão vendendo, exatamente pela comparação com Herzog – ainda assim, a situação é toda tão inusitada que não resta muito a fazer que não ficar impressionado.
A autora e seus montadores conseguiram uma quantidade insana de material e o montaram com a clareza de que precisavam tornar cinematográfico uma narrativa que já se entende muito parte integrante do cinema. Isso porque Maurice filmava toda sua ação, dele e de sua esposa, de uma maneira que ele diminuía a cinematografia, mas o que ele claramente fazia era conceber material com pensamento imagético autoral mesmo. Assim como Katia era apegada às imagens estáticas, ou seja uma fotógrafa profissional, seu marido as preferia em movimento, conseguindo criar não apenas planos impressionantes como concluí-los de maneira cinematográfica. Estão na gênese desse casal então um entendimento de sua arte, na sua profissão/paixão, mas também no que captaram na fricção entre elas.
Mesmo a estrutura de como eles se filmaram, com que tipo de enquadramento, e visando compreender que tipo de construção em suas imagens. Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft que, entre o que foi conseguido por esse cineasta diletante, foram ideias que colocam suas descobertas como as de cientistas em clássicos da ficção científica B dos anos 70. A forma como ele enquadra, as cores que estão impressas nesses registros, os closes e super closes, as brincadeiras visuais que ele encampa enquanto filma, são sinais claros de sua influência dentro do que foi produzido naquele período. E não se trata de cópia mas de um caminho imagético que o aproximava do que fazia um Richard Fleischer, por exemplo.
Além disso, Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft tem um material verdadeiramente extasiante para olhar. Por muitas vezes, temos a impressão de estar assistindo a algo recheado de efeitos especiais, até lembrarmos que nada daquilo é produto da Industrial Light & Magic. São momentos a um só tempo maravilhosos de olhar e também tem grande poder de atração, o que nos faz entender completamente o casal e sua adoração por aquele fenômeno. Como diz Maurice em determinada cena, a curiosidade é maior que o medo, e esse é um conceito de quem sofre de grandes fobias, essa dualidade entre atração e repulsa. De alguma forma, os Krafft sabiam – ao menos Maurice sabia – que suas vidas não seriam muito longas, dado em conta do quanto discorrem sobre a morte.
Aliás, essa é uma questão que já abre o filme: Katia e Maurice estão mortos. Não foram capazes de ser maiores que sua atração fatal, e se deixaram levar pela paixão incontrolável que sentiam, um pelo outro e por seu objeto de estudo. Em certa passagem, Katia diz que, infelizmente, os vulcões precisam destruir para existir, e que é uma pena que eles matem. Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft é um documentário todo registrado em imagens do passado, com tradução contemporânea, e uma reflexão igualmente atual a respeito da força da natureza que é o amor, de muitas formas tão mortal quanto lava. Não pode ser mais simbólico que isso.
Um grande momento
Lava no mar