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Você Não Estava Aqui

(Sorry We Missed You, GBR, FRA, BEL, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Ken Loach
  • Roteiro: Ken Loach
  • Elenco: Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhys Stone, Katie Proctor, Ross Brewster, Charlie Richmond
  • Duração: 101 minutos

Não é preciso ir muito longe. Basta lembrar daquele último sanduíche que você pediu no aplicativo e um ciclista entregou em sua porta. Segundo pesquisas, a jornada de um entregador é maior do que 14 horas diárias e a renda mensal não chega a um salário mínimo. O sonho dos entregadores é comprar uma moto para fazer mais entregas e ganhar mais dinheiro.

É o tal do empreendedorismo, fábula defendida e difundida com vigor dentro do neoliberalismo. “Os resultados dependem apenas de você”, “Você é patrão de si mesmo”. Na verdade, é apenas mais um meio de manter em funcionamento a já desgastada máquina capitalista, encontrando novos meios de não deixar parar o ciclo mão de obra e consumo. Só que sem direitos, sem garantias e sem contrato, num flerte sinistro com a escravidão.

Você Não Estava Aqui

O exemplo foi com os ciclistas entregadores, mas serve para os motociclistas, os motoristas e qualquer outra pessoa que tenha ingressado em esquemas similares. O novo filme de Ken Loach, Você Não Estava Aqui, entra de forma dura nesse universo, através da história de Rick Turner, um entregador de encomendas. Desempregado e sem alternativas, entrega-se à possibilidade oferecida de “empreender”.

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Desde a entrevista enganosa até o final do filme, Loach vai explorando o sufocamento que esse sistema causa. É preciso investir, quando Rick compra a van; é preciso pegar novos horários, para fazer mais dinheiro; é impossível faltar, para não ter que pagar multa. Há toda uma vida pessoal que vai sendo desmantelada para que algum dinheiro seja ganho.

Você Não Estava Aqui

A forma de aproximação é a mesma que já vimos em outros filmes do diretor inglês, que filma como poucos a realidade das classes menos privilegiadas. Tudo é muito simples, orgânico e sem grandes contrastes. O descompasso de Rick e a opressão que vão tomando conta de sua vida não precisam ser óbvios, destacados na tela. Eles são sentidos à medida que o filme avança.

Muito pelo roteiro de Paul Laverty, sufocante nos eventos e diálogos, e pela montagem de Jonathan Morris que vai transformando o amplo em asfixiante. O ator Kris Hitchen, que vive Rick, também é uma peça importante, pois consegue transmitir a angústia e o abatimento de seu carismático personagem. Ao lado dele, Debbie Honeywood entrega outra atuação preciosa como a esposa Abbie. Cuidadora de idosos, demonstra doçura, atenção e paciência tanto quando atende seus clientes como quando testemunha a desestabilização do marido, mas também sabe mesclar momentos de acolhimento a enérgicas chamadas de consciência.

Você Não Estava Aqui traça seu caminho prezando por essa configuração familiar. Como sempre, o diretor não está interessado no tal empreendedorismo em si, mas em seus efeitos nos seres e na vida desses seres. Aqui, diferente de outros títulos, há uma dureza e uma descrença maiores do que as já vistas antes. É como se essa chegada à “nova escravidão” selasse um destino final. Mas, de maneira implicante e impertinente, Loach coloca um lampejo de solução ali, naquele mesmo ambiente.

Pois, só uma coisa pode mudar o que hoje está posto: uma nova maneira de olhar para o todo, incluindo aí a relação homem-trabalho, consumo, tudo. E para que isso aconteça novas posturas são necessárias. Aquelas de uma geração que olha para tudo e diz: isso está errado! Os confrontos com Seb (Rhys Stone), aquele que não liga para o casaco, são os lampejos dessa possibilidade de mudança. Talvez ela não chegue com ele, nem com sua irmã mais nova, Liza Jane (Katie Proctor), mas só eles podem mudar isso.

Um Grande Momento:
O final.

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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