Crítica | Festival

Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou

A paixão de dois que verte no cinema

(Babenco - Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou, BRA, 2019)

  • Gênero: Documentário
  • Direção: Bárbara Paz
  • Roteiro: Maria Camargo, Bárbara Paz
  • Duração: 75 minutos
  • Nota:

O médico sentencia: “Morreu, mas o coração não quer parar”.

Então, alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou. Mesmo que a paixão siga transbordando pelos frames. Em um determinado momento, a existência é interrompida, mas o amor — pela vida, pelo cinema — marca a pele, as reminiscências da memória e quem foi amada leva consigo eternamente.

Babenco, o filme-tributo ao marido, de Barbara Paz, perpassa alguns momentos e filmes que compuseram a carreira do cineasta argentino, porém, o enfoque não é biográfico, mas sim, debruçado na imanência e permanência do cinema em sua vida. Acamado, acabrunhado e contrariado por não poder mais fazer filmes por conta do câncer que avançava agressivamente, Hector Babenco fez um acordo tácito com a esposa, a instigando a fazer um filme, filmando-o e investigando o arquivo aberto, nada confidencial, da sua trajetória pessoal e dos sets por onde passou e construiu uma carreira com declives e aclives.

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Babenco - Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou

Em preto e branco, o registro fílmico habita um espaço amoroso, indefinido no tempo e à deriva na memória da cineasta. Barbara convida para estar no documentário, ocupando as cadeiras ao redor da mesa posta, brindando e sendo olhados, guardados na retina da câmera e de Babenco, os amigos e amigas, companheiros de ofício, atrizes, atores, produtores e companheiros de jornada.

Paz finalizou o documentário (um desafio tamanho, pois partindo da provocação de Babenco num momento delicado) simultaneamente ao lançamento de um livro, relato do filme “Mr. Babenco – Solilóquio a Dois Sem Um” e realmente é aconselhável ler um e assistir ao outro. As conversas que estão no filme e tantas outras que permeiam a estrutura mas acabaram fora da narrativa, provocam fricções e dão outra percepção acerca do cineasta argentino, conhecido por Pixote, O Beijo da Mulher Aranha e Carandiru.

Não tenta tornar Babenco simpático (pois de fato ele não era) mas o humaniza, o embala num afeto e numa humanidade tão latente, seja nos momentos de dor, no leito do hospital, seja vendo filmes em casa e reclamando sobre alguma cena ou coisa, falando da infância, enfatizando a potência em filmar, em viver até o último suspiro e permanecer existindo através do cinema.

Babenco - Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou

Wake
From your sleep
The drying of
Your tears
Today
We escape

Exibido em Veneza, 2019, onde foi premiado, depois passando pela Mostra de São Paulo e também celebrado, o documentário de Barbara Paz conta com a colaboração do próprio Babenco e de Cao Guimarães. Ele monta o filme com a cineasta, que inclui na trilha imersiva composições incidentais e pérolas pop como as da banda inglesa Radiohead.

Um acaso feliz fez Barbara conhecer o guitarrista Johnny Greewood e o baixista Ed O’Brien, com isso obtendo a possibilidade de utilizar canções compostas por eles e o vocalista Thom Yorke, como a climática “Exit music (for a film)” inspirada na adaptação de Romeu e Julieta dirigida por Franco Zeffirelli. A canção aparece em mais de um momento catártico de Babenco e longe de ser fúnebre, evoca juntamente com a poesia audiovisual – especialmente nas cenas onde o cineasta está na praia, se reconectando ao mar e a natureza em seu elemento mais etéreo – um senso de eternidade. Da paixão de Barbara pelo marido/parceiro de múltiplas jornadas, de Babenco pelo cinema, do cinema pelo humano e dessa estrutura elíptica que torna um filme como esse um experiência extraordinária.

Babenco – Alguém tem que ouvir o coração de dizer: Parou tem estreia prevista para o próximo dia 26 de novembro nos cinemas

Um grande momento
“Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela”

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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