(Xadalu e o Jaguaretê, BRA, 2019)
- Gênero: Documentário
- Direção: Tiago Bortolini
- Roteiro: Tiago Bortolini, Ariel Kuaray Ortega
- Duração: 98 minutos
Nem sempre de uma premissa interessante resulta um bom filme. Tome-se por exemplo o longa gaúcho Xadalu e o Jaguaretê, de Tiago Bortolini de Castro que está na competitiva do Festival Amazônia Doc. Tem personagens carismáticos, o artista visual e pichador Xadalu e o cineasta indígena Ariel Kuaray Ortega. Fala de hackear o sistema, confrontar a desigualdade, de se fortalecer por meio da união que atravessa as fronteiras entre o Brasil e a Argentina e traz sensação de pertencimento.
Ariel, o evocado onça Jaguaretê, pertence ao povo Mbyá-Guarani. Xadalu nasceu em meio a pobreza e já catou lixo para sustentar a família, que leva o novo amigo para conhecer a habitação onde vive a mãe na Vila Funil, em Porto Alegre. Ele convida Ariel para fazer intervenções pelo centro da cidade, a mais emblemática delas um lambe com os dizeres “aqui é território indígena” que pregam por espaços como fachadas de bancas e prédios públicos. O avô guarani de Ortega é homenageado em um picho grandioso, muito por conta da impressão mítica que deixou em Xadalu quando ele foi até a aldeia, na vivência que inicia o filme. Entre cruzamentos temporais que aprofundam a relação entre os dois personagens, a narrativa de Bortolini de Castro vai estabelecendo seu centro em Xadalu, costurando flashbacks em p&b pouco trabalhados em termos de linguagem.
A luta dele por liberdade de expressão engrandece em comparação à luta por visibilidade e resistência contra o estado brasileiro de Ariel e seu povo. E o arco de Xadalu, mesmo que não linear, desperta pouco engajamento. É quase um Tião em Lixo Extraordinário, talvez com o alívio de não ser explorado por terceiros mas, ainda assim, condicionar sua militância artística a sua condição.
Pensando no filme como um todo o que fica, após os créditos, é a sensação de que foi quase uma obra. O cineasta indígena, que consta nos créditos de Xadalu e o Jaguaretê como codiretor, começou sua carreira no projeto Vídeo nas Aldeias mas, diferentemente de alguns bons exemplos no cinema brasileiro de colaborações de cineastas brancos e indígenas (como Hipermulheres, de Leonardo Sette e Takumã Kuikuro), não fica nítida sua intervenção autoral na construção fílmica.
A percepção é a de que, quando Xadalu e o Jaguaretê imprime alguma veracidade e força, já está quase no final da sua duração. É quando Ariel pega a câmera e mostra um pouco do seu olhar sobre a selva de concreto. Quando ele pode dar um passo pra frente e se colocar ao lado de Xadalu que o guia e conduz a própria história. Em correlação com duas ou três cenas na aldeia, quando Ariel e outros índios contam para Xadalu sobre o que é ser Juruá, existe um descompasso ao mesmo tempo que uma cumplicidade que podia melhor ter sido explorada pelo cineasta, no planejamento ou na montagem.
Ou, quando se assiste a esse documentário antes ou depois de ver outro documentário, curta, também com uma personagem cineasta indígena guarani – Nova Iorque, mais uma cidade – que está presente na Mostra Ecofalante e no Festival As Amazonas do Cinema, fica a constatação de que a forma como o conceito por detrás da história é desenvolvido transmuta o mesmo em um produto audiovisual com propósito. Menos etnográfico e um tanto óbvio. Mais politizado, livre e sagaz – por mais simples que seja.
Um grande momento
Exposição guarani nas Missões.