(Bitter Bread, LIB, IRA, FRA, 2019)
O diretor Abbas Fahdel é alguém que gosta de observar, deixar que a câmera adeque-se de tal jeito ao espaço que este deixa de ser ambiente e torna-se personagem. Seja na representação de todo um país ou de um espaço ermo e isolado, seus filmes são afeitos a esse olhar, na maior parte do tempo, não invasivo. Foi assim na ficção, com o belo Yara, e nos documentários, com o dolorido Homeland: Iraq Year Zero, e ainda é m Pão Amargo.
Atento à vida dos imigrantes sírios no Líbano, Fahdel interfere mais do que o usual, mas ainda destaca o espaço, ou melhor, a falta de espaço. Em sua elaboração, o diretor aposta em planos abertos para destacar a restrição espacial a que os refugiados de guerra estão submetidos. A mesma contradição está na chegada da Mercedes – do único libanês que aparece no filme – e as barracas de lona, o esgoto a céu aberto.
Já seria terrível de partida, como são todas as histórias de fugitivos de guerra e a recepção pelos outros países, mas o documentário, em seu golpe fatal, vai mais longe e avisa isso nos primeiros letreiros: a maioria esmagadora dos imigrantes é de crianças e são elas os pontos de observação escolhidos. Em sua inocência dos primeiros anos, brincam e correm pelo lugar inóspito, alegram-se com a chegada do Papai Noel fake que leva roupas de frio.
A transição entre as imagens também está no filme, quando elege personagens de várias idades e mostra pré-adolescentes que precisam trabalhar em troco de algum dinheiro para manter a barraca da família e, com as sobras comprar um pouco de pão. Sobre todos, o descaso estatal, registrado com o frio e as inundações pela chuva que não dão trégua. Pão Amargo é o retrato cruel de uma não-vida, o prosseguimento da fuga dos horrores da guerra nos horrores do abandono.
São pessoas sem opção e o desgosto está nas conversas captadas pelos campos. Sonhos interrompidos por uma situação alheia à vontade de todos: um casamento que não pode se realizar, o pai desaparecido, a cerca só construída após a morte. Da desolação da guerra, chega-se à desolação da invisibilidade e do sonho constante de voltar à sua terra. O documentário Pão Amargo é um mosaico, insistentemente pontuado pela exposição das condições sanitárias, de sentimentos ruins.
Em contraposição, a “esperança” em forma de crianças: a bênção do não-saber, da não-preocupação. Se elas brincam e riem de um lado da tela, de outro fica o gosto amargo do título, a certeza de uma humanidade que falhou terrivelmente ao preferir bens a pessoas, ao estimular e defender o individualismo no lugar do social, coletivo. A vida de cada uma daquelas pessoas está entre duas mortes, como num limbo eterno. É como se não houvesse no mundo lugar para elas, mesmo que ainda não saibam disso.
Um grande momento
Eu quero uma jaqueta.