Crítica | Festival

A Nuvem Rosa

Para tempos pandêmicos

(A Nuvem Rosa, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção científica
  • Direção: Iuli Gerbase
  • Roteiro: Iuli Gerbase
  • Elenco: Renata de Lélis, Eduardo Mendonça, Kaya Rodrigues, Helena Becker, Girley Paes
  • Duração: 105 minutos

Pequenas nuvens rosas vão tomando o céu da cidade. Na beira do lago, um jovem que entra em contato com a substância da nuvem morre imediatamente. A TV notícia outros casos e as pessoas se trancam em casa ou onde estavam quando tudo começou. Premonitório, A Nuvem Rosa parece um filme fruto do Covid-19, vírus que surgiu na China, de rápido contágio, que matou – e ainda mata – milhares de pessoas. Ainda sem saber como lidar com a doença, o meio mais eficaz de combatê-la era manter o isolamento social. O virtual foi tornando-se uma realidade na vida das pessoas, as relações foram se adaptando, a vida se modificou e aquilo que duraria alguns poucos meses foi se prolongando, prolongando…

Em A Nuvem Rosa, Iuli Gerbase conseguiu imaginar uma realidade ainda mais desesperadora, onde a contaminação não é viral, mas por uma substância que está no ar. E não há máscara ou qualquer outra coisa que permita às pessoas sairem de casa, o abastecimento é feito por tubos e nem mesmo as janelas podem ser abertas. Nesse universo, ela coloca num mesmo lugar dois amigos, Giovana e Yago, que precisam, ao mesmo tempo, se conhecer e compartilhar o espaço. Como na vida fora da tela, o começo de tudo é mais assustado e menos desesperador do que à medida que o tempo passa. O confinamento leva ao esgotamento, já sabemos.

A Nuvem Rosa

Lá em 2017, quando escreveu o roteiro (o longa foi rodado em 2019), a diretora gaúcha pincela muito sutilmente a crítica política, mas seu interesse é mesmo pela questão humana por trás do isolamento e esse afastamento é primordial para o filme – algo inclusive que deveria ser observado pelo cinema brasileiro em geral, que acha que precisa ser sempre engajado para receber reconhecimento, não precisa. A sobrevivência e a ressignificação do ser social, nessa nova formatação da convivência e sua influência na vida das pessoas é a grande questão aqui. Em bem pensadas elipses temporais, vemos a relação do casal se desenvolvendo e os anos passando.

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A Nuvem Rosa é realizado quase todo dentro de um apartamento, com uma equipe reduzida e utiliza-se muito da atualmente já batida filmagem telas para criar a interação com o mundo exterior. E é curioso como, em uma cena específica, Iuli mistura esse elemento atual a uma reconfiguração de outro meio tão tradicionalmente utilizado no cinema para estabelecer contato, e o faz de uma forma que faz muito sentido em meio a alteração pandêmica que pasteuriza as formas de (não) toque.

A Nuvem Rosa
Courtesy of Sundance Institute

O sarcasmo da nuvem cor de rosa, elemento sempre associado a bons momentos e a fases doces da vida, ser o elemento do aprisionamento e caos é muito interessante. O fato de inserir uma nova geração, o filho desse confinamento, dá ao longa uma outra profundidade e estabelece uma possibilidade de relacionamento com aquele que vê naquele contexto a normalidade, o que deixa o conjunto ainda mais pesado. É assim durante todo o filme. Por mais que as coisas deem certo por alguns momentos, não há otimismo, e isso é pontuado seja pela trilha musical, pelo jogo de luz, ou pelos silêncios.

Com um bom domínio de tempo e segurança na direção, e contando com a poderosa força da identificação de quem vê o filme, A Nuvem Rosa supera os poucos exageros e gratuidades e deixa evidentes os muitos acertos. Não é um filme de pandemia, nem sobre ela, mas que vai buscar esse atual isolamento dentro de cada um e o traz para o sofá da sala, para fazer companhia enquanto se assiste à sessão sozinho, pela televisão, durante o Festival de Sundance.

Um grande momento
Jogando forca

[Sundance Film Festival 2021]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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