- Gênero: Drama
- Direção: Tomas Portella
- Roteiro: L.G. Bayão, Carlos Cortez, Caroline Fioratti, Mauro Lima, Tomas Portella, Juliana Soares
- Elenco: Thalita Carauta, Roberta Alonso, Priscila Steinman, Fernanda de Freitas, Cintia Rosa, Augusto Madeira, Zezé Motta
- Duração: 91 minutos
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O atletismo é das modalidades mais nobres do esporte e não sem motivo, responsável por encerrar os jogos olímpicos desde que estes surgiram. Aos atletas são reservados louros e glórias mas não sem antes correrem ou saltarem ou lançarem com toda a precisão e força para, entre suor e lágrimas, concretizarem seus sonhos de pódio e medalha olímpica.
Se Tóquio 2020 foi um sonho que foi ficando cada vez mais distante até a confirmação de que, sim, em 2021 e sem público, ocorrerá a maior competição esportiva e evento geopolítico do planeta, ao Brasil também são reservadas pequenas tragédias neste campo. O revezamento feminino 4×100 do país comemorou muito e venceu a prova na disputa no Mundial de Atletismo, disputado em maio na Polônia — mas fica fora das Olimpíadas por conta de um erro crasso, acusado durante a revisão da prova, que demonstrou que uma das atletas pisou na linha na curva durante a passagem do bastão.
“No revezamento se precisa de quarto pra ganhar e apenas um pra perder”
Na ficcionalizada versão de um drama olímpico (ou quase) das atletas brasileiras do revezamento 4×100, uma falha imperdoável ocorrida durante a final da Prova nas Olimpíadas do Rio 2016 cometida por Maria Lúcia (Fernanda Freitas) tira o Brasil do pódio. A fatalidade é atenuada pelo silêncio da companheira de equipe Adriana (Thalita Carauta). Há uma passagem de tempo, um novo ciclo olímpico e, na progressão costumeira do drama em histórias como essa, a possibilidade de recomeço.
Cabe ao técnico meio fanfarrão Victor (Augusto Madeira), aparar as arestas e tentar reuni-las. Afinal, o time já está quase completo com Malu, Rita (Roberta Alonso) e Jaciara (Cíntia Rosa). Com o foco mais direcionado a personagem meio “underdog” de Carauta. A atriz, muito afeita a papéis cômicos, tem a oportunidade, não desperdiçada, de mostrar a potência de sua atuação. O arco de Adriana envolve muita dor, mas também muita vontade de se superar, mesmo que isso envolva inflingir dor ao próprio corpo como uma certa autopunição, tão frequente em outras obras como Menina de Ouro. Não à toa, ela escolhe ganhar uns trocados com a luta livre já que desistiu do atletismo.
O embate extemporâneo sustentado por olhares e tentativas de diálogo entre as personagens de Carauta e Fernanda Freitas são uns dos pontos altos de 4×100; ambas as personagens não sustentam por mais do que alguns segundos uma troca de palavras, já que a atleta que perdeu tudo quer mais é mandar a musa fitness desaparecer e não lidar com sua mágoa. Malu, por outro lado, vive em seu belo apartamento remoendo arrependimentos. Até a forma com que ela tenta ajudar a atleta juvenil — papel de Priscila Steinman — é a maneira que encontrou de se reconciliar consigo.
Em determinado momento, o técnico Víctor é questionado sobre qual a diferença entre treinar homens e mulheres e ele responde simplesmente dizendo que quando treinava os homens não tinha que responder a esse tipo de pergunta. 4×100 tem dessas sutilezas, além de enquadramentos e takes na pista de corrida que colam a ação ao corpo das atletas que empolgam.
Uma sequência bonita é quando Adriana, Malu, Rita, Jacira e Bia — a juvenil — viram um time e têm que correr de macho escroto após o assédio na boate terminar com revide. No segundo ato, o filme começa, e a progressão rítmica ajuda a narrativa a ganhar em tensão e em expectativa. Zezé Motta é a fisioterapeuta do clube, um ponto de equilíbrio importante entre a obsessão de Adriana e de Victor com as olimpíadas e uma necessária razoabilidade.
Tomas Portella foi assistente de direção de Lisbela e o Prisioneiro e Meu Nome Não é Johnny, e diretor de segunda unidade de filmes como Ensaio Sobre a Cegueira e o Incrível Hulk (de Ang Lee), além de dirigir séries como Impuros. Essa expertise está presente na forma como ele dirige essa história que, antes de focar na superação, escolhe a humanidade das personagens, numa busca por paz interior para alcançar o objetivo profissional. São planos bem executados especialmente de Adriana correndo pelas ruas na madrugada, confrontando seus demônios na sala de treinamento ou sofrendo com as dores físicas na casa simplória, quieta.
“Você acha que partiu na hora errada?”
No terceiro ato, o clímax de 4×100 é atingido mas não sem antes uma virada que é mais satisfatória do que o próprio desfecho do filme em si, o levando a um nível de entendimento e empatia e traz uma sensação de normalidade tão necessária hoje em tempos pandêmicos — ainda que o filme tenha sido rodado em 2019 — e bolsonaristas.
Claro que falta mais carinho no trato do roteiro, escrito por Portella e por mais cinco roteiristas (sendo duas mulheres: Caroline Fioratti e Juliana Soares), com as outras personagens das atletas da equipe. Priscila Steinman, Cíntia Rosa e Roberta Alonso pouco podem fazer já que a elas não são dados nem tempo de tela ou nuances para acrescer de sentido a jornada das suas personagens. É compreendido o propósito da narrativa ao focar no embate das duas personagens vividas pelas atrizes destacadas no cartaz, mas o drama de Rita, por exemplo, podia ter sido explorado com um pouco mais de atenção e afeto, assim como o enredo familiar de Jaciara.
Dedicado às atletas brasileiras, 4×100 representa a luta, a dedicação de Marta, Maurren Maggi, Daiane dos Santos, Aida Dos Santos, María Lenk e tantas outras, com uma história que extrai a faceta mais perene e simbólica do esporte: a grandeza humana.
Um grande momento
Uma conversa com gelo