- Gênero: Drama
- Direção: David M. Rosenthal
- Roteiro: David M. Rosenthal
- Elenco: Camille Rowe, Sofiane Zermani, Cesar Domboy, Laurent Fernandez, Zacharie Chasseriaud, Jonas Dinal, Gregory Gaule
- Duração: 115 minutos
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Me pergunto se ainda vale a pena ver filmes sobre violência contra a mulher, machismo e silenciamento. Não que essa temática não precise ser narrativizada, que não precisamos debater o feminicídio, ou que não tenhamos que desconstruir os códigos de opressão da vida real. Mas o quanto isso desgasta o cinéfilo, e principalmente a cinéfila, sem que as coisas efetivamente melhorem, em quanto sofrimento é demandado acerca de cada obra com esse teor. Paixão Sufocante, novo sucesso da Netflix, me faz pensar em Darlings, machistíssimo sucesso do mês passado, que propagava a normatização do horror contra a mulher. Se aqui, as regras são outras e a denúncia é cristalina, o incômodo de assistir a essa crônica de uma tragédia anunciada é o mesmo.
Paralelo à necessidade de romper o silêncio do assunto que permanece na sociedade, existe também a violência em si de assistir passivamente atos de machismo sem poder criar qualquer ruptura. Nesse caso, o cinema ultrapassa a fronteira da passividade nossa de cada dia para avançar sobre essa própria postura: quantas vezes a violência respinga em nós, e apenas limpamos o sangue para poder seguir em frente? Sem dúvida permite uma análise extra fílmica a respeito desses contextos sociais, mas me questiono se a ausência de mudança, e somente a manutenção do que já conhecemos, consegue incluir validade. Porque sinto que Paixão Sufocante está tensionando debates apenas externos, e que internamente as lógicas de repressão se perpetuam.
Algumas das chamadas de artigo do longa o classificam como “o novo romance que todos estão amando” e “um filme quente e picante, cheio de sensualidade”; isso claramente demonstra o setor doentio que a cinefilia e o jornalismo cultural propagandeiam sem reparar. Me causa espanto saber que algo do que é visto sendo cometido por Pascal desde a segunda cena onde ele aparece tenha qualquer conotação outra que não a de ser um sociopata, com predileção em exterminar seu interlocutor. Não faz sentido que o filme seja vendido positivamente, quando nenhum dos seus desenvolvimentos atinjam um lugar diferente do massacre psicológico que alguém pode interiorizar nos outros. Qual o sentido de acompanhar a certeza de um caminho sem volta?
Inspirados em eventos reais ocorridos há 20 anos, Paixão Sufocante se vale do desastre que determinou o destino desses personagens para pensar esse roteiro muito propício ao momento atual. São encaminhamentos de clichês motivados por um estranho senso de acusação, mas que parece em sua tentativa de denunciar, provocar novo encontro à ancestrais formas de diminuição do outro e inúmeros casos de truculência emocional e física. A forma como Pascal muda explicitamente ao deixar de perder o recorde de um homem para uma mulher, é sintomático do lugar que o personagem resolve trilhar para seu próprio destino. São demonstrações evidentes do horror que as mulheres são expostas e muitas vezes escolhem fingir que não viram.
A ex-modelo Camille Rowe tem um primeiro papel de evidência aqui como a protagonista Roxana, e demonstra um misto de sentimentos, tais como fragilidade e posterior força, indo de um pólo a outro sempre com uma garra desconcertante. Ao contrário da demonstração de lugares comuns da interpretação de Sofiane Zermani, a jovem atriz tem o grau de sensibilidade necessário para compreender o horror que é viver aquela realidade. É por conta de sua força cênica que Paixão Sufocante sobrevive ao desesperador contexto onde está inserido. O roteirista e diretor David M. Rosenthal desenha com boas intenções sua carta pró-mulher, mas esbarra constantemente na certeza de estar sempre sendo levado a personificar o horror e causar um incômodo muito grande.
Através de uma bela fotografia a cargo de Thomas Hardmeier (de BigBug), também não sabemos até que ponto esse artifício transforma Paixão Sufocante em algo menos desagradável. São muitos os motivos pelo qual um filme tradicional como esse não pode ser visto de outra forma senão como um petardo contra o machismo que o evoca, de alguma forma. Vejam bem, não é uma elegia a misoginia, mas um lugar onde esse sentimento se arvore livre demais.
Um grande momento
Roxana, enfim, tem voz
Esta, sem sombra de dúvidas explanou de forma excelente, tudo o que eu pensei e de certa forma senti com esse filme. Me senti incomodada e frustrada por não ter tido sequer uma “justiça” pela morte de Roxanne. O mesmo incômodo e raiva eu senti pelo citado Darlings, com a diferença de que a protagonista em tese teve sua justiça. Esse filme pra mim foi mais um que é totalmente desnecessário e me ativou gatilhos. Parabéns por sua crítica cuidadosa e de visão. Muito obrigada.